Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Romance 'O Sensual Adulto' satiriza bolhas e modinhas dos hipsters

Há que ser consciente e crítico para rir dos modos de manada

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Trocar os sapatênis por sandálias de borracha. Usar camisas largonas com estampas de frutas tropicais. Prender o cabelo no cocuruto. Usar brinco e bermuda. Gostar da banda que ninguém nunca ouviu. Tudo isso é bacana. Mas ficar só nisso é muito coió.

Limitar-se a aderir ao mundo hipster das aparências é, em vez de ler “como recorrer de multas”, engatar um Sargentelli subconsciente e entender “como correr de mulatas”. É preciso mais. Dar uma de profundão, subir numa pedra para ver o pôr do sol na praia.

Ilustração em linhas pretas de um homem fumando olhando para uma mulher que está em sua frente. Ele tem um bigode e está com o cabelo ondulado preso em um coque no alto da cabeça, brinco na orelha, camisa florida e pulseiras. A mulher tem cabelo curto e várias tatuagens, ela está usando batom escuro, brincos grandes e uma regata.
Publicada neste sábado, 14 de março de 2020 - Bruna Barros/Folhapress

E de lá voltar com atitude para satirizar as modinhas. Para arreliar a bolha dos que se acham. Para rir dos modos de manada que se ocultam na pose metida dos criativos. Há que ser consciente e crítico.

A consciência e a crítica serão açuladas se o candidato a bonzão, no alto da rocha de onde contempla o arrebol, torrar uma erva que passarinho não fuma. Quem incendeia uma massinha e carbura uma catronca vê mais claro, ensina Ocasions —pronuncia-se Oqueijons.

Ocasions é o protagonista de “O Sensual Adulto”, romance de André Czarnobai. Distinta figura, ele vai com uma galera de publicitários odiosos passar o Réveillon de 2012 num iate. Uhu! Ocorre que, no calendário maia, o apocalipse aconteceu justamente no fim daquele ano.

Saca o Czarnobai? Vai ver não ligou o nome à pessoa que zoa. É o Cardoso, aquele gaúcho ruivo que fazia um fanzine no século passado, o CardosOnline. Se continua brisando, está por fora mesmo, mermão. Corra logo à prosa pouco prosaica de “O Sensual Adulto”.

Só que o livro não está à venda nas boas casas do ramo. Foi recusado pelas grandes editoras, como se gaba Czarnobai na orelha do opúsculo. Mas ele fez uma vaquinha virtual, entupiu amigos de emails súplices e, eis aí, “O Sensual Adulto”.

Vão com Ocasions no cruzeiro seus colegas do departamento, chamado de United Colors of Benetton: Negro Excelente Vitor, Oriental Milton, Shalom Israel e Caucasiano Hudson. O gênio deles criou o slogan “Neandental, o creme dental das cavernas”. Pois é: publicitários.

As mulheres são esculhambadas desde os apelidos: Prognata Mau-Caráter, Prego Cheio de Tétano, Ruiva Relevante, Gordinha Demônia em Fase Semigordinha Extremamente Sensual. Há cotas de gays, trans e um DJ negro que todos imaginam ter uma trosoba cataclísmica.

Em suma, juventude, drogas, grana, biritas de primeira a bordo. Há até bicuíras, a lamentável gentalha que vive fora da bolha. Trabalham no iate como garçons, cozinheiro, baristas.

Como é de praxe no Brasil, os bicuíras não têm voz, ideias, fisionomia, sentimentos. Não agem e tampouco pensam. Servem para dar um toque folclórico à paisagem. Pfff.

A moçadinha esperta singra enquanto se estupora. Aí acontece algo maia, meio fim do mundo. A sequência de cartuns se interrompe e surge no horizonte a divindade-mor, o deus dos cartuns: uma ilha deserta. Afe.

“O Sensual Adulto” é feito da consciência hipercrítica, mas epidérmica, de Ocasions. Abundam sacadas, punhas, toras de mato brabo, ereções a meio pau. A verborragia alucinógena é de escangalhar. Mas a ressaca é um troço que só piora à medida que a gente fica velho.

Ocasions sabe disso. Reconhece que é mestre em games, sistemas de busca, redes sociais, coisas que não servem para nada. E vive da propaganda “para o mais verme dos produtos do mais vil dos clientes”. A consciência da inconsistência e a crítica da acrítica, contudo, soam tronchos, devaneios que se perdem na fuzarca verbal.

A história em quadrinhos “Manual da Esposa Pós-Moderna”, de alguém que se assina @estarmorta, habita esse universo. A começar pela recusa ao comércio tradicional: é vendida na banca Tatuí, no número 275 da rua do barão do mesmo nome, em Santa Cecília.

O seu sarcasmo ácido acerta em cheio as mulheres que caem —ou querem cair— no conto do vigário dos “Homens Feministos”. É a sororidade consciente e crítica. E hilariante na escrita e nos desenhos.

Paródia dos conselhos de tia velha para moças casadoiras, o “Manual” tripudia dos machos que “dividem” tarefas domésticas; bebem cerveja vegana; têm algum dom artístico; “não querem se envolver”; e, no fundo, querem alguém que lhes substitua a mãe.

O ponto de vista pode parecer estreito e apolítico. Mas convém lembrar que a maior manifestação popular da história do Chile —contra o Bozo lá deles— se deu no dia 8 de março passado. E foi feminista.

“O Sensual Adulto” pode ser encontrado em catarse.me/osa. O “Manual da Esposa Pós-Moderna”, em latosca.com.br.

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