Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mario Sergio Conti

Moro, voto, cinema: gentes e coisas que acabaram junto com o ano infame

Também na lista, Odebrecht, Alcolumbre, Silvio Santos e Livraria Francesa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Odebrecht. A empreiteira campeã em corrupção mudou o nome para Novonor. Alguém imaginaria um nome mais horrível? Ou uma artimanha tão primária para disfarçar a ladroagem da empresa? Emilio e Marcelo Novonor, dois gatunos, continuam tratar os brasileiros como idiotas.

Oposição. Os partidos contra Bolsonaro se uniram para eleger um presidente da Câmara que apoie Bolsonaro incondicionalmente, impedindo a tramitação do seu impeachment. A casta política disputa a tapa com o Planalto e o Supremo a primazia em esculhambar a República.

Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sérgio Conti de 26.dez.2020
Bruna Barros

Alcolumbre. Foi do anonimato ao ridículo num estalar de dedos. Apoiou Bolsonaro para se reeleger presidente do Senado e eleger o irmão prefeito de Macapá —e ambos se estatelaram justamente porque Bolsonaro os apoiou. Como consolo, ganhou o tão cobiçado troféu de paspalho do ano.

Silvio Santos. Completou 90 anos e se consolidou como caricatura do empresariado pátrio. Está grudado no Estado como craca; incensa os governantes irrestritamente; difunde o baixo nível mais abjeto; topa tudo por dinheiro; chegou ao requinte de pôr o genro para endeusar o presidente dia e noite; tem-se em alta conta, é claro: “Dou empregos!”.

Voto. Ao somar as abstenções com nulos e brancos, constata-se que 38% dos aptos a votar não o fizeram nas eleições municipais. É um recorde. Repetiu-se até cansar que os eleitores minguaram devido à peste. É meia verdade: a participação nas eleições vem caindo no Brasil desde 2008.

O fenômeno é mundial. Para que votar, se os partidos traem os eleitores e não resolvem problemas? Mas o número de votantes aumentou em duas eleições recentes, concomitantes do populacho: a chilena, no ápice de meses de agitação pela Constituinte; e a americana, simultânea ao levante contra o racismo, a polícia e Trump.

Doria e Covas. Arrocharam os alquebrados de 60 a 64 anos. Também eles terão que pagar pelo trem, o ônibus e o metrô. Com grande coragem, a dupla tucana deixou passar as eleições e esperou o Natal para apunhalá-los pelas costas. Covas aumentou o próprio salário em 46%. De fato, votar pra quê?

Revolta. Coisa de povos atrasados. Aqui, estamos satisfeitos com nossa ordem desordenada e progresso a passo de cágado: o voto nos basta. Mas como a crise é grave, é preciso, com urgência, não fazer absolutamente nada —a não ser falar, falar sem parar até que as palavras percam todo sentido.

Radicalismo. O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, disse que o partido “está ressignificando a radicalidade”. Huummm... Está bem cotado para o prêmio Embuste Vernáculo, concedido por Madame Natasha a iniciantes na arte de aderir.

Sergio Moro. Descolou uma boca numa empresa americana que lhe deposita na conta um salário mensal estimado em R$ 110 mil. A hipocrisia é do jogo; já a insistência em dizer que combate a corrupção é má consciência de quem trabalha pelo dinheiro, mas se acha herói. Vide Millôr: desconfie de quem lucra com seu ideal.

Testes. Os países que melhor protegeram seus povos da peste aplicaram em massa testes para detectar o coronavírus. Não só isso: os contaminados eram isolados e monitorados.

No Brasil, os kits de testes foram comprados, enriqueceram os espertalhões de sempre, são aplicados só a quem paga e apodrecem sem que o povo tenha acesso a eles.

A responsabilidade é do presidente, do capadócio à frente do Ministério da Saúde e dos governadores. Mas ninguém deu um pio contra o descalabro.

Cinema. Sair de casa para ver um filme não tem nada a ver com vê-lo na televisão. Menos pela nitidez das imagens e do som, e mais pelo ritual. Pauline Kael resumiu-o assim: quando as luzes se apagam e todas as nossas esperanças se concentram na tela. No mais das vezes, a esperança se frustra, mas entretê-la é uma liberação. Oxalá se possa um dia ir ao cinema de novo.

Livraria Francesa. Fundada há 73 anos, no começo não destoava do entorno. Mas com o tempo virou um oásis no centro de uma São Paulo miserável, de crueldade e feiura estridentes. Com suas luzes de neon, era clara e ordenada: aqui os livros da Pléiade, ali os de bolso, lá os lançamentos.

A livraria da rua Barão de Itapetininga foi fechada pela indigência paulista e pela perda de prestígio da cultura francesa para a várzea globalizada. Urbana e histórica, a perda também é pessoal porque, como diz Proust, a recordação de certa imagem é a saudade de certo instante, e as casas, as ruas, as livrarias, são fugidias, hélas, como os anos.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.