Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mario Sergio Conti

Brasil começou a desmoronar quando o PT aderiu à volúpia do futebol

Jogo é o ópio do povo brasileiro, enquanto o fundamentalismo religioso é o crack das massas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Filosofar sobre o sentido da vida, a esta altura do campeonato, é coisa de “gente perturbada ou de verve cômica”, escreve o crítico inglês Terry Eagleton. Como a proposição está na segunda linha de
“O Sentido da Vida – Uma Brevíssima Introdução”, ela embute uma pergunta que não quer calar: Eagleton é doido ou palhaço?

Ele responde que está mais para ridículo que para desnorteado —uma gracinha sem graça que desmente sua resposta— e acrescenta que abordará o sentido da vida “da maneira mais leve e mais lúcida possível, sem deixar de levá-lo a sério”. Ou seja, sai pela tangente, o que é um risco.

O risco é o etiquetarem de autor de autoajuda, de camelô ilustrado que apregoa o senso comum em livros sedantes sobre as virtudes do meio termo. É um risco calculado porque tais virtudes enchem o pé-de-meia de muita gente: nunca ninguém perdeu dinheiro vendendo tolices aos tolos.

Homem branco fala em microfone em cima de palco
O escritor Terry Eagleton na tenda principal da 8ª Flip, a Festa Literaria Internacional de Paraty - Leticia Moreira/ Folhapress

Se não é perturbado nem cômico, Eagleton é o quê? De família irlandesa, católica e proletária, formou-se em Cambridge e foi professor em Oxford. Atarracado e com a barba por fazer, parece um motorista de caminhão; mas é só abrir a boca que vira intelectual da classe dominante.

Escreveu mais de 40 livros, e um deles vendeu 750 mil exemplares: “Teoria da Literatura – Uma Introdução” é o único best-seller de crítica literária na história da Via Láctea. Como penúltimo contrassenso, ele se diz marxista e católico, atributos que só se misturaram (e muito mal) na América Latina da Teologia da Libertação.

Seu livro parece produto de mãos que digitam ao léu, e não de uma mente que matuta metodicamente. Tampouco tem uma tese que defenda com unhas e dentes. Mas, também, como não ser diletante
quando o tema é o sentido da vida? Só se fosse marxista. Ou católico. Ou do Monty Python.

Eagleton pula de Aristóteles para Schopenhauer e dele para Wittgenstein. Dá piruetas sobre abismos linguísticos (“a linguagem existe para esconder nossos pensamentos”) e metafísicos (“todo querer vem da falta, da deficiência e, portanto, do sofrimento”) e retorna ao trampolim de onde pulou: a beleza do salto lhe basta.

Ele deixa de ser fútil quando desce à história. Nota então que as indagações acerca do sentido da vida ficaram prementes no século em que a vida foi destruída em massa, o 20: “o temor, a ansiedade, a náusea, o absurdo” se tornaram características da condição humana.

O artista máximo do século funesto foi Beckett. Porque, conforme diz Eagleton numa frase que antecipou o acordo entre Bolsonaro e a peste, “seus escritos celebram um pacto silencioso com o fracasso, a fadiga, a tarefa inglória de se manter biologicamente viável”.

“O Sentido da Vida” fica agudo ao responder com brio à vida contemporânea ríspida e pragmática —notadamente, ao analisar a religião e o futebol, áreas da vida simbólica tomadas por patologias.

Para ele, a religião se cindiu entre o esoterismo new age dos ricos e a indústria evangélica que extrai dos pobres “todo suado dólar que sua labuta lhes rendeu”. Em ambas as vertentes, vige o fundamentalismo “baseado na apreensão neurótica de que sem um Sentido dos sentidos simplesmente não há sentido”.

Quanto ao futebol, diz que ele dá sentido à vida de milhões de pessoas porque tomou o lugar da “soberania nacional, honra pessoal e identidade étnica”. E oferece no seu lugar “rivalidade tribal, rituais simbólicos, lendas fabulosas, heróis icônicos, batalhas épicas, beleza estética, feitos físicos, satisfação intelectual, espetáculos sublimes”.

Revisando Marx, defende que o futebol é hoje o ópio do povo; e o fundamentalismo religioso, o crack das massas. Noutro livro, “A Tarefa do Crítico”, diz que só com a interdição do futebol as multidões se politizarão e sairão às ruas. E admite que, pelo jeito, sairão às ruas para exigir a volta do futebol...

Se fosse brasileiro, Eagleton poderia notar mais. Que a nação começou a desmoronar quando o PT aderiu à volúpia do futebol. Que o país passou a ser administrado pela burguesia empreiteira que, em vez de casa, hospitais e escolas, pôs de pé pirâmides —os estádios de futebol responsáveis pela grande ira de 2013.

Que Dilma foi insultada por uma rica malta fascista na abertura da Copa. Que as pirâmides são agora elefantes brancos. Que Bolsonaro veste todas as noites camisetas de futebol em lives grotescas. Que, de Pelé a Neymar, um altar de divindades egocêntricas e reacionárias dá sentido à vida dos brasileiros.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.