Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Confira rabiscos daquilo que poderia virar crônica, mas é jogado fora

Antonio Candido conta que era um homem risonho, então, veio a ditadura e ele viu que o Brasil não era o que pensava

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Bilhetes para si. Ivan Lessa dizia que anotar é mais importante que escrever. Lá ia ele, ofegando em busca de um lugar no metrô, rabiscar uns papeluchos. Seus bolsos estavam cheios de ideias, mas nunca tirou deles uma crônica. Anotar é melhor que escrever —por ser inútil.

JK. O avanço brasileiro de 50 anos em cinco foi invertido e individualizado. A combustão da Besta com a peste nos envelheceu uns cinco anos em dois. O abatimento envenenou corpos e envileceu almas.

Ilustração de um homem com os cabelos penteados para trás e grandes entradas perto da testa. Ele veste uma camiseta, uma calça de moletom e está com os pés descalços. Ele segura uma caneta com a tampa encaixada na parte traseira e sua mão está perto de um caderno que é segurado com a outra mão apoiado em cima de suas coxas. Em volta dele, há vários desenhos soltos, uma pessoa fazendo gesto que imita uma arma segurando uma bandeira, nuvens com raios, fogo e árvores secas. O fundo é todo branco.
Publicada nesta sexta-feira, 11 de junho de 2021 - Bruna Barros/Folhapress

Vanguarda do atraso. A revista American Affairs traz o artigo “O Abrasileiramento do Mundo”. Não é só que o Florão da América se perpetua no seu berço podre, escreve Alex Hachuli.

São as metrópoles que agora imitam nosso modo de viver e pensar: favelização, desemprego, teologia da prosperidade, acanalhamento, pau nos pobres, hiperexploração.

Forças Armadas. O lado de lá tem milicos, PMs, milicianos, pastores, financistas, togados, motoplayboys, jagunços, subcelebridades, o grosso dos congressistas, especuladores, miliardários, nababos do futebol, ideólogos, bandidos, agro-ogros. Eles avançam a cada semana.

Forças mal-amadas. O lado de cá tem políticos profissionais, bacharéis, engraçadinhos, cronistas, estudantes, sindicalistas, aqueles que a peste enlutou, artistas, militantes, beletristas, intelectuais.
Todo dia eles resistem, hesitam, recuam, tropicam, procrastinam, falam, falam entre si.

Celacanto provoca maremoto. O embate entre as duas bandas não acabará em eleições carnavalescas ou de fraque, mas em violência. As armas do lado de lá são fuzis, tanques, bombas, cassetetes. As do lado de cá, protestos, passeatas, greves, a multidão unida na praça. Tradição e instituições contarão menos.

Amanda Gorman. “Nossa inação e nossa inércia serão a herança da próxima geração”. A poesia é fraca, mas o verso tem a ver.

Jovem garota negra discursa
A poeta Amanda Gorman em cerimônia de posse de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos, em 5 de março de 2021 - Alex Wong/AFP

Protesto a favor. O manifesto canarinho proclama: “Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à seleção”.

Tradução política: cartolas acima de tudo, a Besta acima de todos. Tradução negocista: deixar de faturar, jamais.

Estilo tardio. Numa peça em progresso, a protagonista entrada nos anos diz: “A fala sem fricote é uma superioridade no plano estético”. Touché!

História mal contada. Nietzsche distingue três modos de considerar a história: o monumental, o crítico e o de antiquário. Arriscando exemplos, “Declínio e Queda do Império Romano”, de Gibbon, é monumental.

“História da Revolução Francesa”, de Michelet, crítica. Os causos que cronistas nostálgicos contam encarceram a história em bibelôs de antiquário, nos microgaleões de garrafinhas pitorescas.

O Brasil tem rumo. Num vídeo na internet, Antonio Candido conta que era um homem risonho. Veio a ditadura e ficou grave: viu que o Brasil não era o que pensava. O mesmo ocorre hoje, com a diferença que a Besta foi eleita. O ano de 1964 não foi um ponto fora da curva, e sim uma correção de rumo.

Entre sem bater. Adorno e Horkheimer escreveram nos anos 1940 que a técnica faz com que os gestos humanos fiquem rudes. Deram como exemplo as portas de carros e geladeiras, que tinham de ser fechados com força: “Nos movimentos que as máquinas exigem já estão o violento, o brutal, o atropelo constante dos maus tratos fascistas”.

Viva o progresso —as portas de geladeiras e carros caros fecham como plumas.

Feitiçaria motorizada. O fetiche é um objeto ao qual se atribui qualidades mágicas ou eróticas. Ou temíveis. Dentro de um carro há corpos que encarnam seu passado, pensamentos e emoções. Mas o pedestre só vê a máquina de vidros pretos que visa atropelá-lo.

Paradoxo sorites. Um grão de areia não forma um monte. Nem dois, nem três, nem quatro, e assim ad infinitum, porque a adição de um mero grão não engendra um monte.

Conclusão lógica: não há montes de areia. Na química, a água ferve a 100 graus, no ponto exato em que a quantidade se transforma em qualidade. Quando a Besta será derrubada ou dará o golpe? A ordem dos termos da questão influencia (determina?) a resposta.

Apocalipse agora. “Não espere o Juízo Final. Ele acontece todos os dias”. É o que Clemence diz em “A Queda”, de Camus.

Sendero cucaracha. O Brasil é uma big republiqueta na América Latina, o continente com a maior taxa de mortalidade devido à peste do mundo. Os peruanos elegeram um presidente de extrema esquerda. Milhões de colombianos enfrentam o governo. Os chilenos chutaram do poder a Besta deles. En la calle codo a codo somos mucho más que dos.

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