Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mario Sergio Conti

Bolsonaro destruirá democracia se não houver resposta às suas tropas

De rabo entre as pernas, donos do Brasil se resignaram a vazar opinião sobre a barafunda em que o presidente nos meteu

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Um espectro ronda o Brasil, o espectro dos manifestos. É uma novidade. Por sermos um país de elite semiletrada e de plebe que pouco lê, prefere-se o fraseado oral, improvisado e impreciso, na medida para engambelar os incautos.

É uma boa novidade porque o manifesto é uma forma literária concisa e assertiva. Expõe uma ideia, argumenta e conclama à ação urgente. Elétrico, panfletário até, ele capta viradas de vento no ar do tempo.

Por falar com firmeza ao presente, o manifesto ecoa no futuro. “Senso Comum”, de Thomas Paine, prega a revolta aqui e agora, e não só na luta dos americanos pela independência. “Mesmo o melhor governo é apenas um mal necessário; no seu pior estado, é intolerável.”

Eu Acuso”, de Zola, ataca o racismo e pede justiça desde 1898. O “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels, guiou milhões por um século e meio. E Oswald de Andrade, no “Manifesto Antropófago”, ilumina o cerne do debate sobre o marco temporal das terras indígenas: “Tupi or not tupi, that’s the question”.

A novidade poderia ser excelente porque a vaga atual de manifestos provém de uma classe astutamente silenciosa, o empresariado, que só fala por meio de interpostas pessoas —governantes, intelectuais, parlamentares, colunistas. Afinal, o que pensam os donos do Brasil da barafunda em que Bolsonaro nos meteu?

Nananinanão. O manifesto da gente do dinheiro graúdo não chegou a ser publicado. Foi barrado pelos relinchos do cavalo que o presidente, à la Calígula, nomeou como cônsul da Economia. De rabo entre as pernas, o impávido patronato pátrio pastou, resignando-se a vazar seu textículo para a imprensa.

E, ainda por cima, tomou contramanifestos pela proa. O dos proprietários mineiros, mais para lá; o dos agronegociantes, mais para cá. Como contramanifestos são um contrassenso, ficou tudo por isso mesmo, o dito pelo não dito, uma maçaroca incompreensível. Não se sabe o que a burguesia pensa.
Ou melhor, sabe-se —mais ou menos— que o empresariado oculta o que pensa e escreve mal. Publicado nos jornais, o seu manifesto é geográfico e a-histórico, urbanístico e apolítico, inatual e atemporal.

A gororoba começa. “A praça dos Três Poderes encarna a representação arquitetônica da independência e harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, essência da República. Esse espaço foi construído formando um triângulo equilátero, cujos vértices são os edifícios-sede de cada um dos Poderes’.’

O manifesto não notou aquilo que João Cabral registou num poema sobre Brasília. Os seus palácios “de aço e de cimento” recobrem o “poroso quase carnal” da alvenaria do “Brasil antigo”; o Planalto, o Congresso e o Supremo são as “casas-grandes” de hoje, de onde se exerce o mando sobre as novas senzalas.

Seguem-se quatro parágrafos rebarbativos exortando as casas-grandes a se congraçarem. É um apelo velho como a Sé de Braga, recorrente na história da elite nacional: deixa disso, gente boa, vamos bater papo e pedir uma pizza. A prolixa peroração caberia numa palavra —conciliação.

Ilustração de computador branco com um grande botão verde na tela, no qual é possível ler "MANIFESTAR". A pessoa que está usando o computador está levando o cursor do mouse para cima do botão. Ao redor do computador, há 5 pessoas bem pequenas falando. Cada uma diz uma coisa, "Comunismo feio", "Cocô", "Desmatamento sim", "Brazil" e "Deus".
Publicada nesta sexta-feira, 3 de setembro de 2021 - Bruna Barros/Folhapress

A chique missiva do country club tenta dar um dó de peito na última frase. “Esse é o anseio da nação brasileira.” Espera aí. Fiesp, Febraban e congêneres falando em nome da nação? A petulância dos rapeizes subiu à cabeça? Perderam o senso do ridículo? Pfff.

Os intérpretes de desígnios dos manda-chuvas entenderam que o manifestinho não era a enésima exortação a que Bolsonaro se modera. Seria, em vez disso, um vibrante chega para lá no dito cujo, uma mensagem do PIB, uma ruptura —as coisas de sempre.

Acredite-se, por um minuto, nessa interpretação. O “recado duro” continuaria inócuo porque Bolsonaro está cantando e andando para pseudomanifestos. Sabe que não é hora de papagaiada. Ele tem uma ideia fixa e uma estratégia.

A saber: quer derrubar a democracia e se perpetuar no poder. Por isso dá três passos e recua um. Por isso provoca, insulta e diz o que lhe vem à cabeça. Testa as águas para, no momento em que estiver mais forte, dar o bote.

Ele botará suas tropas na rua no 7 de setembro para causar tumulto. Se não houver uma ação acachapante contra ele, destruirá a democracia. Concretamente: se não houver uma manifestação maior que a dos seus fanáticos, no mesmo dia ou pouco depois, o golpe estará mais próximo. Vem sendo assim desde sua posse.

O Evangelho de São João abre: “No princípio era o verbo”. Mas Freud corrigiu o evangelista e reescreveu o versículo: “No princípio era a ação”.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.