Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Rimbaud usou escrita alusiva e violenta para expressar revolta radical

Nova edição de 'Um Tempo no Inferno e Iluminações' serve de introdução para seus poemas em prosa difíceis e estranhos

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Nem tudo vai mal no Brasil. A venda de livros, que a peste estagnara no ano passado, logo se recuperou. Agora, no primeiro semestre, foram vendidos 48% de exemplares a mais do que no mesmo período do ano passado. A reabertura das livrarias, o comércio eletrônico e os livros digitais reavivaram o setor.

Incrementado nos meses de confinamento estrito, o hábito da leitura se consolidou. Ainda estamos longe dos números de livros vendidos por pessoa dos países da calota norte. Ainda assim, o aumento é expressivo. Os brasileiros estão lendo mais.

Como em todo o mundo, o livro-lixo tem peso e impulsiona o conformismo. O obeso ramo da autoajuda é prova disso. Por si só, porém, o livro é superior ao ralo da internet, para onde escoam todos os detritos do caos contemporâneo.

Um livro requer concentração, chama o leitor para dentro dele. A internet é dispersiva, fragmenta a atenção. Ao fim da leitura, um livro é bom ou ruim. Uma sessão na internet costuma acabar na conclusão que se perdeu tempo e não se fez nada.

Como na caverna de Platão, a tela eletrônica se passa pela realidade, quando apenas mostra suas sombras. Livros não têm anúncios. A internet é só propaganda, links que remetem a celebridades, jogos, humor mecânico e terminam fatalmente na oferta de mercadorias. Coloque sua senha.

Não é à toa que o governo endeusa as redes associais e dizima livros, filmes, peças, toda faísca de inteligência. O aumento da venda de livros se deu à revelia dos brucutus à frente do Estado, que acabaram com os incentivos à leitura.

Pelo que relatam os editores, os leitores estão mais seletivos. A venda de obras sobre política e racismo, por exemplo, cresceu mais que as escapistas. Há gente que não se satisfaz com explicações ligeirinhas, está em busca de profundidade, quer entender o que se passa.

Outro sinal de discernimento dos leitores é o boom de obras canônicas. Há uma enxurrada de clássicos da Antiguidade, de pedras de toque das literaturas francesa, inglesa e russa. Eles são publicados em traduções do original ecom ensaios caprichados.

São edições que trazem as grandes obras para o presente, retendo-lhes o gume e o encanto. Tiram delas o mofo que a tradição bacharelesca brasileira cultivou décadas a fio.

Um clássico é algo vivo vindo do passado que fala à atualidade —emociona, ensina, suscita questões. Se for chato, não é clássico. Há exceções: “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, cabe nas duas categorias.

Agora chegou a hora do Rimbaud de “Um Tempo no Inferno e Iluminações” (Todavia, 259 págs.). Traduzida e organizada por Júlio Castañon Guimarães, é uma edição como deve ser, bilíngue. Serve de introdução para seus poemas em prosa —difíceis e estranhos, diga-se logo.

A estranheza não está no texto, mas no autor. “Não se é sério quando se tem 17 anos”, ele escreveu. Mas raros foram os poetas sérios como ele. A ponto de ter deixado de escrever aos 21 anos sem nunca ter explicado por quê. Viver lhe era mais importante que a literatura.

desenho mostra menina lendo um livro compenetrada
Publicada em 24 de setembro de 2021 - Bruna Barros

Rimbaud teve um caso com Verlaine, que largou a mulher e um filho bebê para acompanhá-lo e acabou levando tiros do amante. Foi traficante de armas na África, ficou doente, voltou à França, teve uma perna amputada, câncer e morreu em 1891. Tinha 37 anos. Isso fez com que sua vida ficasse mais conhecida que a obra.

Nos versos, sobretudo nos sonetos, ele é um mestre. Não só domina as formas fixas como as renova, atingindo cumes inéditos. “As Catadoras de Piolho”, “Vogais” e “O que Dorme no Vale” são obras-primas que estão em todas as antologias da literatura francesa.

Os poemas em prosa são outra coisa. “Nada mais simples que sua língua”, diz Jacques Rivière num apêndice do livro. “O que nos incomoda, o que nos inquieta, é que não podemos chegar a saber do que ele fala.” Para o crítico, sua prosa é onírica, ainda que permaneça objetiva.

Ela não fala de algo, ou segue um raciocínio. É um acúmulo de imagens que condensam impressões de uma alma em carne viva. Mais do que racionalidade, a prosa de Rimbaud requer empatia. Se a leitora não é cativada de imediato, não há Cristo que a faça gostar dela. Daí a sua estranheza.

Uma chave para o seu entendimento está na época em que Rimbaud escreveu, o “tempo de assassinos” da Guerra Franco-Prussiana e da Comuna de Paris, com seus 30 mil fuzilados numa semana. Na sordidez geral, seus escritos, alusivos e violentos, expressam a revolta radical, mas sem saída.

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