Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Descrição de chapéu imigrantes

Roberto Pompeu de Toledo retrata São Paulo de novo em 'O Espelho e a Mesa'

Em seu livro mais recente, autor descortina a condição paulista, dos caipiras aos modernistas

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Roberto Pompeu de Toledo publicou em dois volumes uma história de São Paulo até 1954. "A Capital da Solidão" e "A Capital da Vertigem" contam a história do estado por meio da economia, da política, dos costumes, do urbanismo e das artes.

"Solidão" e "Vertigem" pintam um quadro geral a partir de uma infinidade de figuras paulistas, descrevendo seus modos de viver. Os livros transitam entre o geral e o particular porque tratam do intratável: o que é, afinal, ser paulista?

Agora, em "O Espelho e a Mesa" (Objetiva, 254 págs.), o escopo é outro. O livro traz as memórias de infância de, como ele se descreve, um "rapaz singelo", nascido em 1944: o autor.

Ilustração representando uma forma humanoide branca diante de uma espécie de espelho, no qual se encerra o desenho de um homem branco e carece da camisa marrom que tem atrás de si duas cadeiras de madeira e uma mesa enfeitada com um vaso de flores sobre seu tampo
Ilustração publicada em 18 de março - Bruna Barros

No período, Roberto Pompeu ficou só em São Paulo, afora viagens ao Rio de Janeiro e Ouro Preto. Filho de tabelião, morava nas Perdizes, numa família de antepassados italianos, ou de descendentes de Borba Gato de há muito radicados em terras bandeirantes.

Estudou em colégios católicos até chegar ao que um seu professor dizia ser "o desaguadouro das vocações indefinidas": as Arcadas, onde se formou em direito, mas, mais indefinido ainda, veio a descambar para o jornalismo, tornando-se um dos ases do ofício.

Era um paulistano típico? Não: o relato é de alguém sem nenhuma pretensão em representar algo que o ultrapasse. Tampouco tenta enxergar o que não viu diretamente, ou sentiu na carne. O ponto de vista é individual.

E sim: o ser singelo pertence à classe média oriunda de migrações europeias. Mas foi essa gente dura e orgulhosa, provinciana e com fumos de cosmopolitas, que construiu as atitudes associadas à condição paulista —dos caipiras aos modernistas.

O livro está cheio de expressões desse meio: há males que vem para bem, "bocca chiusa", o barato sai caro, bater perna, o que não tem remédio remediado está, USP, não se faz isso na mesa, revolução constitucionalista.

"O Espelho e a Mesa" também busca o passado paulista em móveis. Cada capítulo começa com a descrição de objetos ou coisas: piano, criado-mudo, caneta, busto de Rui Barbosa, gravura, relógio cuco, escrivaninha.

São móveis que o autor herdou de seus avós, pais ou tios. Outros, como uma televisão, são lembrados nos dias em que entraram na sua casa. Evocam o passado e o situam no presente.

O espelho que foi da avó paterna, por exemplo, está no lavabo do apê de Pompeu, que procura nele, para além da própria imagem, os parentes que tantas vezes refletiu —e agora são nada, ninguém. Mas suas silhuetas, que passearam pela terra da garoa, revivem em "O Espelho e a Mesa".

O mundo dos móveis paulistanos da infância vai ficando para trás. Até que, de súbito, o mundo da política o desarranja. Isso ocorre nos capítulos sobre 1964 e, sobretudo, 1968. No primeiro, o autor, que apoiava as "reformas de base", se desavém com o pai, apoiador do golpe.

No outro, a violência chega à faculdade de direito, e há amigos que aderem à luta clandestina. O autor, que se diz um "comunista platônico", dá uma trombada —apolítica— na esquina da Doutor Arnaldo com a Rebouças, quando ainda não havia o viaduto.

Os tempos mudaram e a vida o abalroa. Agora é ir em frente, para o grande mundo de solidão e vertigem, no qual a cena paulistana se faz presente. É essa cena que o livro lembra —para que ninguém seja esquecido.

O fotógrafo Orlando Brito não poderia ser esquecido. Morto na semana passada, ele registrou por mais de meio século o poder no bunker de Brasília. De Castelo a Bolsonaro –cujos asseclas o espancaram e tentaram quebrar-lhe o equipamento—, não há político podre que não tenha flagrado.

Que esse tesouro visual não esteja numa instituição pública diz tudo sobre o apreço que se tem pelo passado. Aqui, o que se passou não serve para entender e mudar o país de hoje. O passado é um lixão soterrado pelas porcarias produzidas no presente por uma elite que empilha escombros.

Brito, ele sim, entendia a passagem e a paralisia do tempo. Nos retratos posados que fez de pais da pátria de hoje, atualizou as imagens funestas de sumidades do Segundo Império e da República Velha. Eles mostram no presente figuras encarquilhadas de um passado que não passa.

Ao fazer fotos de conchavos no Congresso no dia a dia, usava o preto e branco. Elas contrapõem almas mortas a sombras tenebrosas, rostos macilentos a paredes apáticas. Realçam a avidez de vultos do parlamento ao dividirem um butim. Retratou os políticos como gângsteres.

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