Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Revolução Francesa foi para guilhotina junto com Robespierre, seu líder

Livro de Colin Jones inédito no Brasil mostra que, em meio ao caos político, ganha quem comanda a força armada

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O historiador inglês Colin Jones leu tudo sobre o que se passou em Paris em 27 de julho de 1794. Levou em conta apenas o que foi dito por gente que viveu aquele dia, a começar pelos 500 depoimentos escritos pouco depois por participantes.

Escreveu então "The Fall of Robespierre: 24 Hours in Revolutionary Paris" (Oxford, 570 págs.). Seu assunto é o dia em que a Revolução Francesa atingiu o pico e rolou num abismo. Foi quando seu líder mais reputado e radical, Maximilien de Robespierre, perdeu a cabeça.

Ele era um anônimo advogado provinciano quando aderiu à revolta. Media 1 metro e 60 centímetros, tinha marcas de bexiga na face e, ao contrário do populacho de calça e boné, se paramentava como nobre: peruca empolada, calções bufantes, meias de seda até o joelho, pó de arroz no rosto.

Ilustração que representa um grupo de pessoas com trajes antigos em volta de uma cabeça decapitada sobre uma poça vermelha de sangue
Ilustração publicada em 8 de abril - Bruna Barros

Danton dizia que Robespierre era virgem, tinha medo de dinheiro e morreria de fome se tivesse que ferver um ovo. Não entendia lhufas de economia (e a fome se alastrava) nem de guerra (e a França combatia uma coalizão monárquica). Morava num quarto espartano e não tinha amigos.

Só saía para ir à convenção, o governo parlamentar; ao seu comitê executivo, do qual era um dos 12 eleitos; e ao clube dos jacobinos, a facção revolucionária pura e dura. Falou uma única vez a um dos seus guarda-costas. Perguntou-lhe: que horas são?

Não era um populista de dar tapinhas na barriga de cupinchas e, muito menos, de adversários. Seus discursos, entremeados por pausas graves, eram infindáveis. Estavam cheios de alusões a Rousseau e de mimimi contra os corruptos que, imaginava, queriam trucidá-lo.

Era conhecido como o Incorruptível. É dele o lema de liberdade, igualdade e fraternidade, que adorna os prédios públicos franceses: escreveu-o num discurso que não chegou a ler. Foi dele a ideia de decapitar Luís 16. "O rei deve morrer para que a pátria viva", apregoou.

A ele se associam o voto universal (mas só para homens), e não apenas de quem tinha posses; o tabelamento de preços (sim, já naquela época); a abolição da escravatura; e a execução sumária de inimigos do povo virtuoso (supostos ou reais, pois bastava uma denúncia de dedos-duros).

Por ter dito que "o terror é a justiça célere, severa, inflexível", Robespierre é sinônimo do terror. Mas o terror foi uma invenção dos conservadores que o venceram, os termidorianos.

Jones relata a derrocada do Incorruptível praticamente hora a hora. Conta os fatos cruciais e recorre a inúmeras vinhetas sobre o que se passava em Paris. Com meio milhão de moradores, ela era a maior cidade europeia, uma colmeia política cujo mel era feito de cizânia, rumores e protestos.

Na véspera do dia fatal, Robespierre discursou na convenção e insinuou que deputados venais conspiravam contra ele. Não nomeou nenhum. Mas, se borrando de medo, o centrão teve certeza de que seria degolado. Nos últimos três dias, 145 corruptos tinham sido guilhotinados.

O sol surgiu pouco antes das cinco horas. Os termômetros marcavam 23 graus. Robespierre fez suas abluções, se emperiquitou, tomou café e foi à convenção. Tinha 35 anos. Deu-se então o inimaginável. O centrão impediu aos urros —um deputado lhe brandiu a adaga— que ocupasse a tribuna.

Silenciado, o guia máximo teve sua prisão decretada. Todavia, um batalhão insurreto arrancou-o da cadeia e o levou à sede do poder municipal, a comuna. A turba o incitava a escrever um apelo para que o povo de Paris se amotinasse. Pálido e tatibitate, ele não falava lé com cré.

O governo enviou uma tropa para prendê-lo outra vez. Robespierre começou a assinar o panfleto pela revolta, mas escreveu só "Ro". Uns dizem que tentou se matar e disparou uma bala no próprio queixo. Outros falam que foi um gendarme, com o sugestivo nome de Merda, que atirou.

Foi preso com a mandíbula pendente. No dia seguinte, o carrasco Sanson o pôs na guilhotina e lhe arrancou o curativo com um puxão. O Incorruptível deu um grito arrepiante e sua cabeça rolou. Adeus,
revolução. Não há monumentos em homenagem a Robespierre na França, e só meia dúzia de ruas com seu nome. Numa, a placa o identifica como "membro da convenção". Outra, como "criminoso contra a humanidade".

Como a ideia de revolução está moribunda, "A Queda de Robespierre" não admite comparações com o presente.

Mas deixa entrever que, numa jornada de caos político, ganha quem comanda a força armada. E perde quem não mobiliza os seus.

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