Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Cartas de 'Querido Lula' explicam por que o ex-presidente é líder popular

Livro reproduz mensagens escritas por apoiadores quando o político estava preso em Curitiba

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As cartas de súditos a seu mandatário, qualquer que seja ele, e desde o tempo dos reis, pertencem ao gênero suplicante. O missivista relata seus suplícios e então suplica: uma dentadura, casa própria, cadeira de rodas, uns trocados —me abençoa, pelo amor de Deus.

São cartas que permitem aquilatar as aspirações de gente humilde e à beira do desespero. Daqueles que, depois de bater em vão em portas incontáveis, apelam ao soberano, na crença de que o grande homem lhes concederá uma graça.

Ilustração representando o desenho de uma mão que segura um lápis sobre uma folha de caderno pautada, na qual escreve 'querido Lula'
Ilustração publicada em 3 de junho - Bruna Barros

Em 2009, a repórter Carol Pires contou que Lula recebeu 550 mil mensagens postais e eletrônicas nos seus seis primeiros anos no Planalto.

Os pedidos eram encaminhados a seções do governo às quais diziam respeito. O atendimento era irrisório.

Uma das cartas não pedia nada. Uma mulher dizia escrever igual à mãe do presidente, dona Lindu, para que ele compartilhasse com a missivista a alegria de tomar posse. Foi uma das raras que Lula respondeu. Mas não deixou ninguém ler o que escrevera.

Quase 6.000 cartas foram mandadas por crianças. Um menino fez um pedido abrangente: "Presidente Lula, quero que você acabe com a fome no Brasil". No fim, esclareceu: "Não era isso que eu queria dizer, mas a professora mandou".

As palavras do povão ao painho estão de volta em "Querido Lula - Cartas a um Presidente na Prisão" (Boitempo, 240 págs.). Agora, elas são bem diferentes. As pessoas não pedem. Sabem que escrevem a um homem na lona, um destronado sem nenhum poder.

É um livro para ser lido com o espírito desarmado. Quem supõe que seja uma peça de propaganda eleitoral, e ainda por cima demagógica, não deve nem folheá-lo. É claro que, por seus autores serem lulopetistas, ele se presta a isso. Mas é muito mais.

Igualmente, os sabe-tudo que julgam conhecer a fundo as necessidades atuais e históricas da nação, e que vão tomar as cartas como emblemas de uma classe mecanicamente revolucionária, não tirarão proveito delas —caso não tenham olhos para o novo.

Tenha-se em mente o contexto. As cartas foram enviadas durante os 580 dias em que Lula viu o sol nascer quadrado. Como se comprovou à farta, a prisão foi ilegal, embora decretada sob a égide da Constituição (manipulada) e das suas instituições (caducas).

Nunca um ex-presidente esteve tão por baixo. Ainda assim, 25 mil pessoas escreveram para ele no xilindró. "Querido Lula" selecionou 46 das cartas e inúmeros desenhos. Numa ótima decisão, foram mantidas a sintaxe e a grafia originais, apesar de elas destoarem da norma culta.

São epístolas de calão leve (Dilma é "uma mulher da porra", "muito do caralho"); humor ("quando você tinha cabelo eu não participava do movimento"); informações surreais como "pro desespero da burguesia, comprei um Celta (vermelho em homenagem ao PT)"; e conselhos ("preste atenção, menino: você não tem direito de ter uma gripe").

Diferentes entre si, as cartas têm características em comum. São afetuosas, solidárias e tentam levantar o astral do cativo de Curitiba. Comprimida em duas palavras, a síntese das mensagens seria: "tamo junto"!

O segundo recurso é o de testemunhar. Todos os missivistas contam suas vidas. É gente que, graças aos governos do PT, pôde estudar e tirar diploma, ter profissão e um lugar para morar, formar uma família e criar os filhos.

É um bálsamo ouvir de viva-voz os que nunca são chamados a falar. Apesar de tantos arrazoarem em seu nome, ninguém é de fato seu porta-voz: políticos, artistas, pastores. Os que pouco falam, contudo, creem que Lula expressa quem são —por ter sido, também ele, um deserdado.

Por se dirigirem a Lula, os que lhe mandam as cartas são politizados. Mas não têm ódio nem perdem tempo com baixa política. Sergio Moro, artífice do cambalacho que levou o petista à masmorra, é mencionado uma única vez. De passagem, é chamado, com propriedade, de "juiz pavão".

A política da qual o povo petista fala não é abrangente nem belicosa. Quando muito, há referências aqui e ali a "nós" e "eles". Paira um desconforto difuso com os poderosos, sempre centrado no presidente, injustiçado por fazer o bem aos pobres.

O tom geral das cartas, salvo engano, é de quem dialoga com um painho carinhoso, afastado à força da família. Se for isso mesmo, o fato de Lula ser o maior líder popular do Brasil seria explicado mais pela identificação (ele e sua base vieram da pobreza) e menos pela política militante (para enfrentar os inimigos de classe).

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