Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf

"Assim, acho que vocês têm um Estados Unidos novinho em folha". Foi isso que alardeou Donald Trump em seu discurso à elite dos negócios reunida no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça.

De que forma os Estados Unidos são "novos", portanto —se é que o são? De que forma essa crença de Trump pode afetar sua agenda econômica internacional? Por que Trump, que chocou Davos ao declarar que "proteção conduzirá a maior prosperidade e força", se tornou apenas o segundo presidente norte-americano, depois de Bill Clinton em 2000, a participar do encontro anual na Suíça?

O principal objetivo de Trump, ficou claro, foi o de asseverar que, "depois de anos de estagnação, os Estados Unidos estão de novo experimentando crescimento econômico forte". Além disso, o país está "aberto a negócios".

Essas e afirmações semelhantes quanto ao emprego e à confiança das empresas e dos consumidores pontuaram seu discurso. É verdade que a economia dos Estados Unidos mostra força. Não é verdade que isso aconteça depois de anos de estagnação.

Entre o segundo trimestre de 2009 e o final de 2016, a economia dos Estados Unidos cresceu em ritmo anual composto de 2,2%. Nos quatro últimos trimestres, ela cresceu em 2,5%. Não é uma mudança significativa. A grande virada no crescimento —infelizmente, uma redução— aconteceu depois da crise financeira de 2008.

A economia norte-americana hoje é 17% menor do que seria caso a tendência de crescimento que prevaleceu entre 1968 e 2017 tivesse sido mantida. Desde a recuperação, em 2009, a tendência de crescimento da economia norte-americana se reduziu muito. Isso pode mudar, mas por enquanto não o fez. O mesmo vale para a produtividade da mão de obra, cujo crescimento continua baixo.

O índice de desemprego de fato caiu no governo de Trump, de 4,7% em dezembro de 2016 para 4,1% em dezembro de 2017, o que representa uma marca muito baixa, pelos padrões históricos. Mas isso é a continuação de uma tendência que persiste desde 2010.

Se alguém merece crédito, é o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos), por políticas que os republicanos frequentemente criticam. Em dezembro de 2017, 86% dos homens norte-americanos com idade entre os 25 e os 54 anos estavam empregados. O percentual é um ponto mais alto que o registrado em dezembro do ano anterior, e 5,6 pontos mais alto que o registrado em janeiro de 2010.

Infelizmente, continua abaixo de picos cíclicos anteriores como os 90% de 1999 e os 88% de 2007. A proporção de mulheres em idade de trabalho empregadas também fica abaixo do nível de 2000.

Trump está especialmente entusiasmado com as ações, afirmando que o mercado "está derrubando recorde após recorde". A afirmação não é incorreta. Com base nas relações preço/lucro ajustadas ciclicamente de acordo com a formula de Robert Shiller, a cotação das ações norte-americanas é tão alta hoje quanto em 1929, e só foi excedida, entre esses dois momentos, pelos números superdimensionados de 1998, 1999 e 2000.

A alta do mercado foi especialmente notável no ano passado, tendo em vista um ponto de partida já alto. Mas a situação talvez deva ser mais causa de preocupação que de jactância. Trump pode em breve se arrepender de elogiar a alta do mercado de ações. Afinal, este não responde a comandos presidenciais.

Um argumento em favor de esperar que as coisas melhorem é o imenso corte nos impostos das empresas norte-americanas. Mas é bastante improvável que isso deflagre uma grande onda de investimento e cause alta no crescimento econômico subjacente.

Uma visão mais plausível é que o corte de impostos venha a causar, principalmente, alta nas ações e na desigualdade de renda, e que acelere a corrida de redução dos impostos sobre o capital.

A experiência britânica quanto a isso é cautelar. O corte da alíquota de imposto paga pelas empresas britânicas a 19% pouco fez pelo investimento e pelos salários reais médios. A esperança de que as coisas sejam diferentes nos Estados Unidos provavelmente se verá desapontada.

Em resumo, Trump está assumindo o crédito pela continuação da recuperação pós-crise iniciada sob seu predecessor. Não estamos diante de uma economia "novinha em folha". Ele teve sorte. Se o mercado de ações não despencar, pode continuar com sorte. Mas a questão é como Trump se comportará, diante dessa sorte. Um sujeito que sente estar em uma maré de sorte será mais inflexível ou mais complacente?

Uma preocupação especial é a política comercial. Quanto a isso, ele declarou que "apoiamos o livre comércio, mas ele precisa ser justo e ele precisa ser recíproco. Porque, em última análise, o comércio desleal prejudica a todos". Essa retórica não é nova.

A visão otimista é a de que veremos mais medidas como a anunciada na semana passada quanto a painéis solares e máquinas de lavar. São tolas, mas dentro do esperado. Mesmo a renegociação do Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) pode se provar pífia. Agora que os outros 11 participantes da Parceria Transpacífico decidiram levar o projeto adiante, o que merece elogios, Trump afirma até que "consideraríamos negociar com os demais, quer individualmente, quer, talvez, como grupo".

A visão pessimista é a de que o governo dele está aferrado a doutrinas econômicas fundamentalmente insanas: a de que o deficit comercial norte-americano não resulta de desequilíbrios macroeconômicos, mas de trapaças na política comercial; além disso, que a maneira de eliminar o deficit é por meio de novos tratados bilaterais com todos os parceiros importantes. Essa abordagem explodiria o sistema de comércio multilateral.

Também é incompatível com a economia de mercado. Só economias planejadas tentariam o balanceamento bilateral no qual Robert Lighthizer, o representante do governo norte-americano para assuntos de comércio internacional, e o mestre dele aparentemente acreditam. Uma superpotência repleta de queixas e operando sob essa doutrina infeliz poderia causar imensos danos à economia mundial e às relações internacionais.

De que forma, então, devemos avaliar o Trump confiante e apaziguador que vimos em Davos? Suas bazófias podem ser vazias, mas ele de fato teve sorte ao herdar uma economia que já desfrutava de forte recuperação pós-crise. A economia deve continuar a sorrir para ele, desde que Trump não confie demais no mercado de ações.

Tudo isso é boa notícia para o presidente. Uma economia mais forte nos Estados Unidos também é boa notícia para o mundo. Mas um Trump mais confiante não o seria. A questão é como ele reagirá. Vai se tornar mais razoável ou mais intransigente? O discurso não ofereceu todas as respostas. A incerteza continua a reinar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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