Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf

O caminho do Reino Unido para se tornar o Canadá da União Europeia

Preço de ficar de fora será palpável e permanente, mas grandes escolhas têm consequências 

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Ônibus com campanha contra o Brexit em Londres, na Inglaterra - Matt Dunham / AP

Quando a poeira se assentar, onde o Reino Unido vai parar? O país se tornará o Canadá. Terá um relacionamento com a União Europeia semelhante ao do Canadá. Vai se relacionar com a União Europeia de modo não muito diferente daquele pelo qual o Canadá se relaciona com os Estados Unidos. Continuará a ser uma democracia convencional como o Canadá, sem se tornar, ao contrário do que diz David Davis, o secretário de Estado encarregado da saída da União Europeia (Brexit), uma distopia em estilo "Mad Max", liderando uma selvagem corrida de desregulamentação. Por fim, como o Canadá, sua influência mundial será modesta.

Michel Barnier, o principal negociador da União Europeia, explicou por que o futuro relacionamento comercial do Reino Unido com a União Europeia será semelhante ao Acordo Comercial e Econômico Abrangente com o Canadá (Ceta). Esse acordo permite que as duas partes assinem pactos separados com outros parceiros. Também deixa o Canadá de fora da união alfandegária da União Europeia e de seu mercado unificado. Assim, o Ceta oferece benefícios limitados aos provedores de serviços.

Como aponta Barnier, as "linhas vermelhas" estipuladas pelo Reino Unido - que não quer ficar sujeito ao Tribunal Europeu de Justiça, não quer livre movimento de trabalhadores, não quer contribuir financeiramente para a União de modo constante e substancial, e quer manter sua autonomia regulatória e de política comercial - impedem que o país seja parte da Área Econômica Europeia. Essas linhas vermelhas também impedem acordo semelhante ao que a União tem com a Suíça. A oposição do Reino Unido à jurisdição da Corte de Justiça Europeia e a demanda por autonomia regulatória impedem um acordo de associação como o da Ucrânia. A demanda por uma política independente de comércio internacional impede até mesmo um acordo de união alfandegária, como o que existe com a Turquia. Quando excluímos tudo que é impossível, o que resta é um acordo como aquele que une a União Europeia e o Canadá.

É provável que a opinião de Barnier seja comprovada. Um motivo para acreditar nisso é que ele em geral está certo. Outro é que as linhas vermelhas mencionadas estão profundamente enraizadas, do lado britânico. Malcolm Rifkind, antigo secretário do Exterior conservador, está correto ao dizer que o Reino Unido dificilmente aceitará a obrigação de seguir as regras da União Europeia se não tiver influência sobre sua formulação. E se o país estivesse disposto a isso, faria mais sentido retirar seu pedido de sair da União Europeia.

O modelo do Ceta imporia custos econômicos reais. Um dos maiores deles seria que os fornecedores britânicos de bens à União Europeia teriam de cumprir as regras de conteúdo local, enquanto os fornecedores britânicos de serviços perderiam seu acesso favorável. Mas para evitar essas consequências o Reino Unido teria de mudar suas linhas vermelhas, ou de convencer a União Europeia a mudar de opinião quanto a questões essenciais.

Quanto às primeiras, o Reino Unido poderia abandonar seu desejo por autonomia na política comercial, a fim de participar de um acordo de união alfandegária, Poderia aceitar o livre movimento de pessoas, e com isso chegar a um acordo parecido com o da Suíça. Poderia até aceitar papel substancial para o Tribunal Europeu de Justiça. Mas nisso disso parece minimamente provável, hoje.

Na área de serviços, a esperança do governo é um processo de "divergência administrada", sob o qual as novas regulamentações britânicas sejam reconhecidas pela União Europeia como equivalentes em objetivos, se não em detalhes, às regras da União. É provável que a União Europeia rejeite essa abordagem, porque significaria que o Reino Unido teria todas as vantagens de uma saída sem qualquer dos custos; estabeleceria um precedente perigoso; chegar a acordo sobre a divergência e monitorá-la seria complexo; e seria necessário confiar nas boas intenções do Reino Unido - uma confiança que os debates internos deste último tornam difícil manter. Muita gente elogia a oportunidade de abandonar a trabalhosa regulamentação europeia, mas pouca gente parece saber exatamente o que precisa ser eliminado.

Algumas pessoas no Reino Unido acreditam que o setor de serviços financeiros do país traz tantas vantagens à União Europeia que esta deveria realizar esforços excepcionais para mantê-lo como parte do mercado único. Esse argumento era mais fácil de defender antes da crise financeira. Além disso, o acesso aos mercados de atacado financeiro britânicos permaneceria, mesmo que os prestadores de serviços financeiros perdessem seus "direitos de passaporte" [o direito de prestar serviços em qualquer país da União Europeia sem necessidade de licença adicional].

A jornada mais provável, portanto, passando por um impasse temporário de até dois anos, é rumo a um acordo ao estilo canadense. É fato que isso deixaria sem solução os problemas da fronteira com a Irlanda. E os custos impostos seriam substanciais.

Uma análise do governo britânico cujo teor vazou recentemente para a mídia concluiu que, sob um acordo como esse, o Produto Interno Bruto (PIB) britânico poderia, em 15 anos, ser 5% mais baixo do que aconteceria em caso de permanência na União - uma perda de um terço do potencial de crescimento do país nesse período. Com respeito a isso, é claro, a posição do Reino Unido é muito diferente da posição do Canadá: o Ceta beneficia o Canadá; um acordo semelhante pós-Brexit prejudicaria o Reino Unido. Mas é esse o resultado da decisão de sair.

Assim que sair, o Reino Unido, como o Canadá, terá mais liberdade quanto ao seu regime regulatório. No entanto, é seguro apostar que não veremos uma grande fogueira de regulamentação, impostos e compromissos de gastos públicos, no Reino Unido. Como acontece no Canadá, não existe grande apoio no país a políticas tão radicais.

Uma vez mais como o Canadá, o Reino Unido vai desejar fechar novos acordos comerciais. Buscará aderir a acordos de livre comércio existentes e negociar novos pactos. A dificuldade quanto a isso é que os acordos importantes (com os Estados Unidos, China e Índia) serão difíceis, e os acordos fáceis (com a Austrália ou Canadá, por exemplo) serão pouco importantes. Além disso, a lei férrea do comércio se aplica: quando a distância dobra, o comércio cai à metade, em circunstâncias normais. Isso explica porque o Reino Unido é um parceiro comercial tão importante para a União Europeia quanto os Estados Unidos, e porque a União Europeia, por sua vez, é a maior parceira comercial britânica. Novos acordos não serão capazes de compensar o que o país perderá. Além disso, ao contrário do que afirma o Legatum Institute, de Londres, o Reino Unido não será o novo líder da liberalização mundial. A economia do país não é grande o suficiente para isso.

O Reino Unido continuará a precisar de um relacionamento frutífero com a União Europeia. Também será mais poderoso com relação à União Europeia do que o Canadá é com relação aos Estados Unidos, em parte porque sua economia é (quase duas vezes) maior que a canadense e em parte porque a União Europeia não é um estado federal com grandes forças armadas. No entanto, o Reino Unido verá seus vizinhos como frustrantes e impositivos, em muitas ocasiões. O preço de ficar de fora será palpável e permanente. Mas grandes escolhas têm grandes consequências.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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