Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf

Um pouco de medo faz bem aos mercados

Estamos cercados por indicadores de fragilidade financeira 

Negociadores da Bolsa de Nova York na segunda semana de fevereiro
Negociadores da Bolsa de Nova York na segunda semana de fevereiro - Drew Angerer/Getty Images/AFP
 

A única coisa a temer é a falta de medo. Benjamin Graham, guru do investimento que costuma ser citado por Warren Buffett, gostava de falar do Mr. Market (Senhor Mercado), um personagem caracterizado por flutuações de humor extremas. Seus momentos de euforia podem ser mais agradáveis que os de desespero. Mas são perigosos. O excesso de otimismo é o precursor da aceitação de risco excessivo, de bolhas nos preços dos ativos e, com elas, de crises financeiras e econômicas. A turbulência vista na semana passada foi exatamente o que precisávamos. É uma pena que não tenha acontecido muito mais cedo. Mas o medo voltou. Hurra!

Até agora, como aponta Gavyn Davies, o evento foi modesto. Na noite de 12 de fevereiro, o mercado estava 7,5% abaixo de seu mais recente pico. A razão preço/lucro ajustada ciclicamente, um indicador quanto à cotação das ações desenvolvido pelo economista Robert Shiller, da Universidade Yale, continua superior à de qualquer período exceto 1929 e o intervalo entre 1998 e 2001. A disparada súbita na volatilidade pode ser perturbadora, mas é tanto natural quanto útil: ela deve ajudar a pôr fim à complacência.

Davies avalia que os dados sobre o emprego nos Estados Unidos em janeiro, que apontam para uma pequena alta na inflação salarial, foram o gatilho para a correção do mercado. Mas foi uma alta muito pequena. O mesmo vale para a recente alta no spread entre os títulos norte-americanos americanos convencionais e os vinculados a índices, o que indica expectativas de inflação. No momento, as correções que estamos vendo nos mercados de ações e títulos de dívida são modestas.

As coisas poderiam piorar muito? Sim, certamente.

Para começar, sob os padrões históricos as ações e os títulos estão, respectivamente, caros e espantosamente caros. Os altos preços dos títulos são a imagem espelhada tanto das taxas reais de juros muito baixas (abaixo de 1% nos Estados Unidos) e da baixa expectativa de inflação. O título convencional de 30 anos do Tesouro dos Estados Unidos continua a render apenas 3,1%. O título italiano com maturação semelhante tem rendimento igual, e o do título alemão equivalente é de 1,4%. Não é preciso grande imaginação para visualizar altas imensas nesses rendimentos.

Segundo, estamos cercados por indicadores claros de fragilidade financeira, dos quais o mais importante é a alta no endividamento. No terceiro trimestre de 2017, o estoque mundial de dívidas representava 318% do produto bruto mundial, ante 280% no final de 2007. Em larga parte como resultado da crise financeira, a dívida dos governos saltou de 58% do produto bruto mundial para 87%. Ainda mais significativa, talvez, seja a alta da dívida bruta do setor empresarial não financeiro, de 77% para 92% do produto bruto mundial. Ao mesmo tempo, a dívida domiciliar cresceu apenas de 58% para 59% do produto bruto mundial. Um dado significativo e com certeza encorajador, no entanto, é que o endividamento do setor financeiro caiu de 87% para 80% do produto bruto mundial.

Terceiro, uma recuperação forte e sincronizada da economia mundial está em curso, e o desemprego em diversas economias está batendo recordes de baixa. Nos Estados Unidos, ele caiu a 4,1% em dezembro de 2017. Nesse contexto, uma alta inesperadamente rápida dos salários nominais (e reais) e da inflação nos preços ao consumidor dificilmente seria surpreendente. Isso poderia forçar aperto rápido da política monetária, e não só nos Estados Unidos. Além disso, os Estados Unidos acabam de iniciar um aumento estrutural de seu deficit fiscal que é grosseiramente pró-cíclico e fiscalmente irresponsável, com o objetivo primordial de cobrir os ricos de benefícios.

A hipocrisia dessa atitude, se considerarmos passados ataques republicanos aos esforços do governo Obama para ministrar um estímulo fiscal desesperadamente necessário à economia norte-americana abalada pela crise, em 2009, é absolutamente inacreditável. Não surpreenderia que essa política fiscal, acompanhada por uma recuperação mundial no investimento privado, elevasse as taxas de juros reais em toda a economia mundial.

Por fim, o mundo está diante de incertezas significativas. Isso é inevitável, enquanto alguém tão instável quanto Donald Trump estiver no comando do principal país do planeta: guerra, guerra comercial ou outro choque inesperado podem desestabilizar a atual expansão.

Considerando tudo isso, é fácil compreender aqueles que se preocupam com grandes quedas nos preços dos ativos, mais adiante. Será que elas causariam uma imensa crise financeira? Há quem tema que sim.

No entanto, existem razões para otimismo. Uma é a redução no endividamento do setor financeiro. Outra é a esperança de que aqueles que administram instituições financeiras sistemicamente importantes continuem traumatizados pela crise e por isso administrem os riscos de maneira mais prudente do que no passado. Ainda outra é o aperto na regulamentação, que por enquanto não foi revertido. Mas nada disso remove os fatos fundamentais: há uma grande carga de dívidas no setor financeiro e os bancos, especialmente, continuam a arcar com pesado endividamento.

Um perigo ainda mais plausível é que uma grande queda nos preços dos ativos paralise a demanda em um momento no qual o espaço para manobras de política econômica e monetária compensatórias continua relativamente limitado. Essa poderia, assim, ser a ocasião para políticas verdadeiramente heterodoxas, entre as quais financiamento monetário direto dos gastos do governo.

Muita gente argumenta que esses riscos mostram a falta de sabedoria das políticas passadas. De fato, as autoridades econômicas dependeram demais dos bancos centrais e de menos da política fiscal, para escapar da Grande Recessão. Também teria sido sábio promover uma redução muito mais agressiva do endividamento.

Mas aqueles que argumentam que teria sido melhor que os bancos centrais deixassem a economia em recessão, de preferência a adotar políticas monetárias agressivas, estão completamente enganados. É imoral, e em última análise impossível, sacrificar o bem-estar da maioria a fim de aplacar os deuses dos mercados financeiros. Se uma política concebida para estabilizar nossas economias desestabiliza as finanças, a resposta precisa ser reforma ainda mais radical destas últimas. O papel de Mr. Market é apoiar a economia, não colocá-la em risco. Isso é algo que jamais devemos esquecer.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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