Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu economia

A Economia nos deixou na mão, antes da crise mundial

Existe ignorância substancial quanto à maneira pela qual nossas economias funcionam

Bolsa de valores de Nova York - Bryan R. Smith / AFP

A Economia, como a medicina (e ao contrário da cosmologia, por exemplo), é uma disciplina prática. Seu objetivo é fazer do mundo um lugar melhor. Isso se aplica particularmente à macroeconomia, inventada por John Maynard Keynes em resposta à Grande Depressão. O teste para essa disciplina é determinar se seus adeptos são capazes de compreender o que pode sair de errado na economia, e como consertá-la. Quando a crise financeira que irrompeu em 2007 apanhou a profissão quase completamente de surpresa, ela se viu reprovada no primeiro desses testes. Quanto ao segundo, se saiu melhor. Mesmo assim, precisa de reconstrução.

Em post no "Financial Times" em 2009, Willem Buiter, hoje no Citi, argumentou que "dos anos 70 para cá, a maioria das inovações da macroeconomia convencional se provou autorreferente e introspectiva, na melhor das hipóteses". Uma análise excepcionalmente abrangente, publicada pela "Oxford Review of Economic Policy" sob o título "Reconstruindo a Teoria Macroeconômica", me conduziu a basicamente a mesma conclusão. A abordagem canônica se provou seriamente deficiente, de fato. Além disso, economistas profissionais de primeira linha divergiram fortemente nas respostas que ofereceram para o problema. Sócrates talvez dissesse que ter ciência da própria ignorância é melhor que a ilusão de conhecimento. Se for esse o caso, a macroeconomia está em boa forma.

Como David Vines e Samuel Wills nos explicam em seu excelente sumário, o modelo macroeconômico básico se baseava em duas suposições cruciais: a hipótese do mercado eficiente e a teoria das expectativas racionais. Nenhuma das duas parece convincente hoje. É questionável até supor que seja possível ter "expectativas racionais" sobre um futuro profundamente incerto. Essa incerteza ajuda a explicar a existência de instituições - dinheiro, dívida, e bancos - cujos efeitos tão altamente significativos, e que ainda assim são em geral ignoradas nos modelos padrão. Assim, a posição de Hyman Minsky quanto aos perigos das tendências especulativas nas finanças estava correta, em linhas gerais, enquanto muitos dos mais brilhantes macroeconomistas provaram estar precisamente errados.

Não basta argumentar que o modelo canônico funciona em momentos normais. Também precisamos compreender os riscos de crises e o que fazer sobre elas, em parte em parte porque crises, como aponta o economista Joseph Stiglitz, laureado com o Nobel, são os eventos mais dispendiosos. Uma macroeconomia que não inclua a possibilidade de crises ignora o essencial, como aconteceria com uma medicina que desconsiderasse a possibilidade de ataques cardíacos. Além disso, crises são endógenas; ou seja, elas surgem de dentro da economia. Resultam da interação entre a tendência a otimismo excessivo e a fragilidade de qualquer sistema composto por intermediários financeiros altamente alavancados.

Meu colega Martin Sandbu aponta, especialmente, para a possibilidade de "múltiplos equilíbrios" - a ideia de que as economias possam ingressar em um círculo vicioso que agrave uma situação mundial desfavorável. Essa possibilidade torna vital reagir vigorosamente às crises. A primeira resposta dos médicos a um ataque cardíaco, afinal, não é colocar o paciente em uma dieta Isso só acontece depois que eles cuidaram do ataque cardíaco propriamente dito.

Assim, uma questão importante é determinar não só se sabemos responder a uma crise como se fato o fizemos. Em sua contribuição, Paul Krugman, outro economista premiado com o Nobel, argumenta, ao meu ver persuasivamente, que os remédios keynesianos básicos - uma resposta fiscal e monetária forte - continuam corretos. Também é vital revitalizar rapidamente o sistema bancário. O contraste entre a recuperação dos Estados Unidos, mais rápida, e a pavorosa demora da zona do euro oferece sustentação notável a essa posição. Na prática, a zona do euro perdeu cinco anos antes que a recuperação começasse.

Uma comparação entre o que aconteceu nos anos 30 e os anos que se seguiram ao crash de 2007 demonstra que de fato aprendemos algumas coisas importantes. Comparados aos números da Grande Depressão, os declínios imediatos de produção e alta do desemprego foram muito menos graves. Além disso, os preços se mantiveram muito mais estáveis, na crise mais recente. São verdadeiros sucessos. Mas, passada uma década, o nível de produção per capita, se comparado ao patamar anterior à crise, apresenta resultado menos impressionante: na recuperação dos anos 30, a Alemanha e o Reino Unido se saíram ainda melhor do que na atual. Além disso, os países mais afetados da zona do euro sofreram muito, qualquer que seja a referência adotada. A atual recuperação realmente não pode ser considerada um triunfo.

Isso sugere que reparar os estragos de uma imensa crise depois que ela acontece é terrivelmente difícil. A necessidade óbvia, portanto, é tornar as economias mais resilientes. Mesmo que não compreendamos plenamente a dinâmica econômica, as lições mais amplas quanto à reforma de nossas economias parecem claras. As economias seriam mais resilientes se a carga de dívidas fosse mais baixa e, especialmente, se elas dependessem menos de posições financeiras lastreadas por ativos de risco controlados por intermediários financeiros de alta alavancagem, ou seja, por bancos. Algumas soluções óbvias incluem eliminar o incentivo que nossos sistemas tributários oferecem ao endividamento, encorajar maior uso de capital acionário e de títulos conversíveis facilmente em ações como mecanismo de financiamento, elevar os requisitos de reserva e capitalização dos bancos, e avançar rapidamente rumo à emissão de moedas digitais pelos bancos centrais.

A análise da teoria macroeconômica fundamental sugere que existe ignorância substancial quanto à maneira pela qual nossas economias funcionam. Isso não surpreende. Talvez jamais venhamos a compreender de que maneira sistemas tão complexos - animados, como são, por desejos e incompreensões humanos - realmente funcionam. Isso não significa que tentar melhorar a nossa compreensão sobre eles é um exercício tolo. Pelo contrário: é importante. Mas seria possível afirmar que, na prática, é mais vital que nos concentremos em duas outras tarefas. A primeira é como tornar o organismo econômico mais resistente às consequências das manias e pânicos. A segunda é como restaurar sua saúde o mais rápido possível. Quanto a essas duas coisas, precisamos pensar mais e fazer mais. São esses os desafios práticos que temos à nossa frente.

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