Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Governo Trump

A insensatez comercial de Donald Trump pressagia mais protecionismo

Sobretaxa ao aço e alumínio é só o começo do fim do comércio multilateral 

Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Leah Millis / Reuters

Donald Trump é realmente protecionista. É mais que simples retórica. Essa é a lição do anúncio da semana passada de que ele assinaria uma ordem executiva, esta semana, impondo tarifas mundiais de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados pelos Estados Unidos.

As tarifas não são tão importantes, por si sós. Mas o motivo usado para justificá-las, o nível e duração propostos, a disposição de tomar aliados como alvos, e a declaração do presidente de que guerras comerciais são boas, e fáceis de vencer, devem alarmar todos os observadores informados.

É improvável que essa seja a única ação de Trump nesse campo; o provável é que ela tenha sido só o começo do fim do comércio multilateral baseado em regras mútuas, que os Estados Unidos mesmos criaram.

Isso pode parecer alarmista. Mas não é. As medidas propostas envolvem apenas pouco mais de 2% do volume total de importações dos Estados Unidos, é verdade. Se esse for o fim da história, o mundo - e a economia mundial - aceitarão o fato sem reclamar demais.

É possível que, com alguém incoerente como Trump no comando, as coisas parem por aí. Mas não deveríamos apostar nisso.

Um motivo para que o protecionismo dos Estados Unidos deva se expandir é que a ação proposta, que deve durar por muito tempo, tributará todos os usuários de aço e alumínio. E isso inclui setores que empregam muito mais gente do que os 81 mil norte-americanos com empregos diretos no setor de siderurgia.

Os usuários sofrerão a proteção efetiva negativa. Um resultado será que os produtos importados feitos de aço e alumínio se tornarão mais baratos. A solução será certamente impor tarifas à importação desses produtos, igualmente.

Outro motivo para que esse tipo de atitude possa se espalhar é que aqueles que forem afetados negativamente poderão retaliar contra os Estados Unidos em outras áreas. Na prática, porém, é mais provável que eles se queixem da medida norte-americana junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), que submeterá a queixa ao seu processo de solução de disputas. Enquanto isso, os queixosos poderão impor proteções de salvaguarda ao aço e alumínio, para impedir o desvio de importações para os seus mercados. Também dessa maneira o protecionismo se expandirá.

Outro motivo para que o protecionismo se expanda nos Estados Unidos é o uso da brecha oferecida pela segurança nacional. A OMC de fato permite que seus países membros tomem quaisquer medidas que considerem necessárias para a proteção de de seus interesses essenciais de segurança - tomadas em tempo de guerra ou de outras emergências nas relações internacionais.

Mas como aponta Chrystia Freeland, ministra canadense do Comércio Internacional, "é inteiramente inapropriado ver qualquer comércio com o Canadá como ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos". No entanto, assim que essa cláusula vier a ser usada de forma irresponsável, e especialmente pelos Estados Unidos, onde iremos parar?

Um ponto crucial é que essa ação não se relaciona à China, que responde por menos de 1% das importações de aço norte-americanas. As vítimas da medida são amigos e aliados: Brasil, Canadá, Coreia do Sul, União Europeia e Japão. E tampouco se refere a alguma forma desleal de comércio. É uma forma pura de protecionismo, com o objetivo de salvar indústrias obsoletas.

Mas mesmo nesses termos, o arrazoado da proposta é fraco: a produção de aço e alumínio dos Estados Unidos está estagnada há anos. E se essa medida realmente faz sentido para Trump, o que mais fará?

Por todos esses motivos, portanto, devemos prever novas medidas protecionistas, pelas autoridades dos Estados Unidos e de outros países. Mas existe um motivo ainda mais importante para essa expectativa: Trump parece querer uma guerra protecionista. Ele está certo de que um país grande, com déficit comerciais vastos, deve "vencer".

Além disso, ele acredita que esses déficits são prova de que os Estados Unidos estão sendo explorados por seus parceiros. São duas crenças ridículas, em termos econômicos.

Sim, os Estados Unidos podem ser menos prejudicados que outros países, em uma guerra protecionista. Mas todos, e com certeza também os Estados Unidos, seriam prejudicados pela balcanização da economia mundial.

Além disso é errado entender superávits comerciais como análogos ao lucro nos negócios, que é o que Trump faz. Importações são o objetivo do comércio internacional. Superávits comerciais não têm mérito intrínseco.

Mas a ação dele tem por justificativa última a forte crença de que os Estados Unidos vêm sendo vítimas de maquinações de terceiros. Uma suposta prova usada para justificar essa sensação de dolo é a ideia de que os Estados Unidos são "a menos protecionista das grandes economias mundiais".

Nenhum indicador primário do grau geral de protecionismo é ideal. Mas o menos pior deles é a média ponderada da tarifa aplicada. De acordo com a OMC, a tarifa ponderada média do Japão foi de 2,1% em 2015, ante 2,4% para os Estados Unidos e 3% para a União Europeia. São números muito semelhantes. Na China, a tarifa ponderada é de 4,4, em larga medida porque o país participou de apenas uma grande negociação de comércio internacional, sobre sua adesão à OMC, em 2001, quando ainda era visto, com razão, como um país em desenvolvimento.

Alguns dirigentes da economia dos Estados Unidos preferem falar em lugar disso da tarifa limite ["bound"]. Nesses termos, o protecionismo norte-americano é relativamente modesto. Mas uma média simples dos limites que um país aceita para suas tarifas nos diz muito pouco sobre seu nível real de proteção. Além disso, os Estados Unidos definiram limites baixos para suas tarifas a fim de obter concessões dos parceiros, especialmente proteções sobre direitos norte-americanos de propriedade intelectual.

A outra queixa se refere aos déficits comerciais. Mas eles são fenômenos macroeconômicos, e não resultam de políticas comerciais. Trump acaba de assinar uma lei que elevará muito o déficit fiscal estrutural dos Estados Unidos. Se outros fatores não mudarem, o déficit comercial certamente crescerá.
Isso virá a se provar especialmente verdadeiro caso o corte de impostos, como espera o governo Trump, venha a alimentar alta forte no investimento privado dos Estados Unidos, enquanto o déficit do governo cresce. Será que a mão esquerda da política econômica norte-americana sabe o que mão direita está fazendo? Aparentemente não.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem razão em sua crítica ao plano. Ele imporá custos substanciais, perturbará alianças e certamente conduzirá a ainda mais medidas protecionistas dispendiosas, pelos Estados Unidos e outros países. O plano é produto de uma mistura característica de autopiedade - o mundo é malvado conosco - e bazófia - podemos facilmente intimidar os outros e forçá-los a ceder. O resultado provavelmente será desgaste ainda maior para o frágil tecido do comércio internacional. Parabéns, Sr. Trump.
 
 Tradução de PAULO MIGLIACCI

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