Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Eleição italiana expõe inadequação da zona do euro

Resultados são tão chocantes quanto a saída britânica da UE e a eleição de Donald Trump

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Apoiadores da Liga seguram faixa que diz "primeiro os italianos" em ato em Milão, Itália
Apoiadores da Liga seguram faixa que diz "primeiro os italianos" em ato em Milão, Itália - Tony Gentile - 24.fev.2018/Reuters

Os resultados da eleição na Itália são uma lição para a Europa. Os italianos um dia estiveram entre os mais entusiásticos partidários do projeto europeu. Isso deixou de ser verdade. A combinação entre economia combalida e política impotente não só trouxe descrédito para a elite política e administrativa da Itália mas também abalou o engajamento dos italianos para com a União Europeia.

Isso não significa que a Itália vá sair; os custos seriam grandes demais. Mas significa que a ameaça de fricção entre a Itália e a elite europeia e de novos desordenamentos financeiros e políticos se tornou muito maior.

Os resultados da eleição são tão chocantes quanto o referendo sobre a saída britânica da União Europeia ("brexit") e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos: 55% dos eleitores italianos escolheram partidos que rejeitam a União Europeia ou rejeitam a visão da elite que a criou,

O Movimento Cinco Estrelas —um amorfo partido de protesto— conquistou 32% dos votos nacionais e a Liga —um partido nacionalista de direita— ficou com 18%. A porção dos votos que coube ao Partido Democrata, de centro-esquerda, no qual a elite pró-europeia depositava suas esperanças, caiu dos 41% de quatro anos atrás para 19%. O Forza Italia de Silvio Berlusconi caiu a 14%. A revolução populista devorou seu criador.

Por que os eleitores italianos estão tão desencantados? As respostas óbvias são que o desempenho econômico vem sendo horrendo, e as autoridades estabelecidas italianas parecem completamente ineficientes. Isso certamente não se deve apenas —e talvez nem principalmente— à participação italiana no euro. Mas a zona do euro tornou as coisas piores. No mínimo ela oferece um bode expiatório externo que políticos inescrupulosos exploram alegremente. Em um país decadente e com uma população frustrada, isso se prova irresistível.

Um dos aspectos da zona do euro vem sendo a inadequação geral de sua política macroeconômica. Em janeiro de 2018, o índice de preços ao consumidor da zona do euro (excluídos itens erráticos) era 7,2% mais baixo do que deveria ser se tivesse subido em 1,9% anuais, desde janeiro de 2007 —uma taxa de juros que representa uma interpretação razoável da meta inflacionária do Banco Central Europeu (BCE), de "taxas de inflação abaixo dos 2%, mas próximas a isso, em médio prazo".

Uma avaliação alternativa da política macroeconômica giraria em torno do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nominal. Ao final do terceiro trimestre de 2017, o PIB nominal da zona do euro era 11% mais baixo do que seria o caso se ele tivesse crescido em ritmo anual de 3% desde 2007 —uma taxa compatível com um crescimento anual real de cerca de 1% e inflação de 2%. Sob a presidência de Mario Draghi, o BCE agiu com sucesso, enfim. Mas a política macroeconômica geral se provou claramente inadequada. Não criou crescimento adequado na demanda geral agregada.

Dentro desse ambiente macroeconômico fraco, grandes disparidades também surgiram entre os países membros. O PIB nominal da Alemanha subiu em 34% entre o primeiro trimestre de 2007 e o último trimestre de 2017 (uma taxa média anual composta de 2,7%). O da Itália subiu por apenas 9% no mesmo período (taxa média anual composta de apenas 0,8%).

Se o governo italiano tivesse sido capaz de seguir sua política tradicional de desvalorização da moeda e inflação, teria gerado alta muito maior no PIB nominal. Isso certamente teria resultado em taxas maiores de crescimento real. O PIB real da Itália no trimestre final de 2017 estava, em lugar disso, 5% abaixo de seu nível no primeiro trimestre de 2007, enquanto a renda per capita real do país continuava 9% abaixo de seu nível de 2007, uma década mais tarde. Não admira que os italianos estejam desiludidos.

Sem dúvida a Itália tem imensos problemas econômicos estruturais, que restringem fortemente o seu crescimento, mas a produção potencial não deveria ter caído tanto desde 2007. A Itália também sofre de demanda cronicamente deficiente, uma falha que a zona do euro, da maneira pela qual é administrada atualmente, não é capaz de remediar. Isso acontece em parte porque a demanda geral vem sendo fraca e em parte porque, se as regras forem respeitadas, a demanda não pode ser direcionada para  os lugares em que é mais fraca.

Uma recessão prolongada, com desemprego alto e emprego baixo, tem consequências políticas inescapáveis. Mas a maior frustração pode estar no fato de que as pessoas em que os italianos votam praticamente não têm margem de manobra. A decisão se resume a escolher (ou às vezes não escolher) alguém para executar políticas decididas em Bruxelas ou Berlim.

Por que não votar em um palhaço, ou em um partido criado por um palhaço? Isso talvez nem faça muita diferença para o que virá a acontecer na Itália, e pelo menos pode ser mais divertido.

Alguns economistas italianos agora afirmam que o país poderia obter certo grau de liberdade na política macroeconômica por meio da emissão do chamado "dinheiro fiscal" —uma moeda paralela que poderia ser usada para pagar impostos na Itália.

Isso é tecnicamente possível. Certamente criaria histeria no norte da Europa, porque eliminaria o monopólio do BCE sobre a política monetária. Mas o simples fato de que uma ideia radical como essa esteja sendo discutida demonstra a escala do desencanto, em um país tão grande e importante.

A menos que, e até que, a zona do euro se torne capaz de promover um compartilhamento amplo da prosperidade, ela continuará vulnerável a perturbações políticas. A fraqueza do sistema e a impotência da política democrática no único foro que realmente conta (o nacional) continuam a ser receita de populismo e fragilidade.

A Itália, como muita gente diz, é grande demais para quebrar e grande demais para resgatar. Mas seus eleitores deixaram de lado a preferência pela Europa e se tornaram céticos. Gostemos ou não do fato, o risco de novos choques é grande. 

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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