Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf

A economia da China está enfim se reequilibrando

Caminha para modelo mais dependente da demanda de consumo gerada pela vasta população chinesa

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O consumo por fim está se tornando o maior propulsor da demanda na economia chinesa. Esse é um ajuste muito desejável e muito aguardado. Promete pôr fim à dependência excessiva quanto a investimentos ineficientes e alimentados por dívidas que caracteriza a economia da China. Mas o país ainda tem um longo caminho a percorrer. E enquanto conclui sua mudança de rumo, a China terá de administrar sua sobrecarga de más dívidas. No entanto, pelo menos o ajuste começou.

Em 2007, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao argumentou, com razão, que "o maior problema da economia chinesa é que o crescimento é instável, desequilibrado, descoordenado e insustentável". Naquele ano, a poupança nacional bruta chinesa equivalia a 50% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 37% em 2000. Essa imensa poupança bancou um investimento interno equivalente a 47% do PIB, e um superávit em conta corrente da ordem de 9%.

Então veio a crise financeira. As autoridades chinesas prontamente compreenderam que o superávit em conta corrente se havia tornado insustentável. Em curto prazo, a única maneira de evitar uma contração seria expandir ainda mais o investimento. Em 2011, o investimento bruto chinês chegou aos 48% do PIB, e o superávit em conta corrente caiu a 2%. Mas a poupança nacional continuou em 50% do PIB.

A solução causou novos problemas. O primeiro foi a queda no retorno sobre o investimento. A melhor maneira de demonstrar a tendência é a razão incremental capital/produto (Icor), que mede a quantidade de investimento necessária para gerar um dado aumento na produção. Ela praticamente dobrou de 2007 para cá. Isso não surpreende: o investimento total disparou, enquanto o crescimento caiu quase à metade.

Além disso, a alta na Icor pode bem subestimar o verdadeiro declínio nos retornos: como argumenta Michael Pettis, da Escola Guanghua de Administração de Empresas, da Universidade de Pequim, investimentos inúteis não contribuem para o PIB.

O segundo problema é que o investimento ampliado foi possibilitado por um imenso aumento no endividamento. De acordo com o Instituto de Finanças Internacionais, a dívida bruta da China cresceu de 171% a 295% do PIB entre o quarto trimestre de 2008 e o terceiro trimestre de 2017. É uma dívida muito pesada, para um país de mercado emergente. Além disso, metade da alta na dívida coube a entidades empresariais não financeiras, que responderam por boa parte da alta no investimento. Porção substancial dessa alta na dívida pode se provar impagável.

A Enodo Economics, de Londres, estima que, considerando a alta dramática na dependência de crédito como fator de crescimento, talvez seja necessário contabilizar como prejuízo dívidas equivalentes a 20% do PIB da China. A proporção pode parecer grande. Mas seria administrável, para um país credor e dotado de um sistema financeiro em geral fechado.

Até 2014, assim, nada havia acontecido para fazer com que a economia chinesa parecesse menos instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável. Pelo contrário: o país havia apenas substituído um superávit excessivo em conta corrente por investimentos ainda mais excessivos, disparada na dívida, e bolhas no mercado de  imóveis.

Mas os últimos três anos enfim viram mudanças: o investimento caiu em 3% do PIB, enquanto o consumo público e privado cresceu por proporção semelhante. Como resultado, o consumo se tornou fonte mais importante de demanda adicional que o investimento. Assim, em 2017, como apontava um estudo preparatório para o Fórum de Desenvolvimento da China este ano, o consumo final contribuiu com 59% do crescimento no PIB. E porque o crescimento no investimento enfim caiu, a alta no endividamento também parou (ao menos aparentemente).

Por trás disso há a disposição de substituir quantidade por qualidade de crescimento. As explicações para essa disposição incluem a queda na força de trabalho e a redução na migração de mão de obra rural para as cidades. A economia atual, cada vez mais conduzida pelos serviços, também gera mais empregos do que a economia propelida pela indústria pesada fazia no passado. Com uma força de trabalho em queda e com dependência maior de mão de obra para gerar crescimento, os salários reais dispararam, o que elevou a participação dos salários na renda nacional. A Enodo Economics argumenta que, em 2015, a proporção de renda domiciliar disponível e a remuneração pelo trabalho já eram mais altas na China que no Japão e Coreia do Sul.

É porque a poupança pessoal continua muita alta na China que o consumo responde por proporção tão baixa do PIB. Com o envelhecimento da população, isso provavelmente mudará, talvez muito rápido. Se o governo vier a oferecer serviços sociais, de saúde e educação melhores, além disso, é provável que a proporção de sua renda que os chineses poupam caia acentuadamente. Se for assim, o investimento também pode cair a um nível mais apropriado. Afinal, ele continua muito mais alto do que era em 2007, quanto mais 2000.

Em resumo, embora as mudanças sejam lentas e o ajuste pleno para níveis mais razoáveis ainda possa durar até a metade da próxima década, estamos vendo os primeiros sinais de uma mudança necessária na estrutura da economia chinesa, rumo a um modelo mais equilibrado e, acima de tudo, mais dependente da demanda de consumo gerada pela vasta população chinesa. Isso seria bom para a China e para o resto do mundo.

Boas políticas públicas também poderiam acelerar a transição, ao acelerar a transferência de lucros para as pessoas, via propriedade, tributação ou, o melhor, uma combinação das duas coisas. É mais ou menos inevitável que um saneamento das dívidas excessivas também seja necessário, somado a uma reforma substancial do setor financeiro. Mas isso também se tornaria muito mais fácil se os grandes desequilíbrios - principalmente a dependência excessiva de investimento - chegassem ao fim.

A chance de promover uma mudança de equilíbrio desesperadamente necessária, e até mesmo de administrá-la suavemente, está crescendo. A história contada pelo ex-premiê Wen está longe de concluída. Mas agora podemos ao menos vislumbrar um final feliz.

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