Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Martin Wolf
Descrição de chapéu Brics

Como o Ocidente deveria julgar a China ascendente

Os americanos cada vez mais encaram a China como rival

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bandeira do Partido Comunista Chinês no Museu Nacional de Pequim - Mark Schiefelbein-5.nov.2011/AP

Os países avançados atuais, liderados pelos Estados Unidos e Europa, respondem por porção preponderante da economia mundial. Os 14% da humanidade que vivem nos países avançados geram 60% da produção mundial, pelo critério de preços de mercado, ou 41%, pelo critério de paridade de poder aquisitivo.

Isso não vai perdurar. Em 1990, os países avançados respondiam por 78% da produção mundial, a preços de mercado, ou por 64%, por paridade de poder aquisitivo. O Ocidente precisa aceitar seu relativo declínio, se não quer se engajar em uma luta altamente imoral, e provavelmente ruinosa, para impedi-lo. Essa é a verdade mais importante de nossa era.

Por isso, acima de tudo, os ocidentais precisam levar em consideração a maneira pela qual aqueles que vivem nas potências ascendentes veem o mundo. A China, especialmente, se tornará a maior economia do planeta, e por larga margem. Precisamos avaliar e apurar as visões daqueles que a lideram. Duas semanas atrás, escrevi sobre o que ouvi em reuniões com importantes líderes chineses em Pequim. Agora, avaliarei o que ouvi, em cada categoria.
 
A China precisa de um governo central forte

Um fato perceptível era a convicção de nossos interlocutores de que a estabilidade política da China é frágil. A História sugere que estão certos. Os dois últimos séculos registram muitos desastres causados pelo homem, da rebelião de Taiping no século 19 ao Grande Salto Adiante e à Revolução Cultural da era maoísta.

Portanto, é bem fácil compreender por que os membros da elite parecem convencidos de que a renovação do Partido Comunista, sob o controle de Xi Jinping, é essencial. É preciso ter em mente que o tumulto da modernização e urbanização, que a China está enfrentando agora, desestabilizou a Europa no século 19 e no começo do século 20.

Mas o aperto do controle pode tirar a economia dos trilhos ou gerar uma explosão política, em um país cuja população é cada vez mais alfabetizada, conectada e próspera. A China deseja ser uma imensa. Singapura. Será capaz disso?

Os modelos ocidentais são encarados com descrédito

A elite chinesa tem razão: eles infelizmente não merecem crédito. A visão dominante entre os demais países do mundo era a de que o Ocidente era intervencionista, egoísta e hipócrita, mas competente. Depois da crise financeira e da ascensão do populismo, a capacidade do Ocidente para dirigir seus sistemas econômicos e políticos foi colocada em dúvida. Para aqueles que acreditam na democracia e na economia de mercado como expressões de liberdade individual, essa incapacidade é perturbadora. A única maneira de resolvê-la é por meio de reformas. Infelizmente, o que o Ocidente vem promovendo é só raiva improdutiva.
 
A China não quer dirigir o mundo

Quanto a isso, é possível expressar dúvidas. Pela primeira vez, a China se tornará uma grande potência dentro de uma civilização mundial. Como todas as grandes potências antes dela, a China certamente desejará organizar a ordem mundial e o comportamento de outros Estados (e também de organizações privadas) de maneira que a satisfaça. A China também tem muitos vizinhos, diversos dos quais historicamente aliados dos Estados Unidos. Já está tentando expandir sua influência, especialmente no Mar da China Meridional. Também está tentando influenciar comportamentos, especialmente o dos estudantes chineses, no exterior. Tudo isso representa uma extensão inevitável do poder chinês fora do país.
 
A China está sob ataque pelos Estados Unidos

A elite chinesa está certa: os americanos cada vez mais encaram seu país como rival, e de fato como ameaça. Já os americanos, de sua parte, argumentam que a China os está atacando, ao expandir seu poderio militar e solapar os aliados dos Estados Unidos, especialmente o Japão.
A verdade é que o poder inevitavelmente deixa perdedores e ganhadores. A ascensão do poderio chinês será vista como ameaça pelos Estados Unidos não importam quais possam ser as intenções chinesas.
Além disso, muitos americanos, e de fato muitos ocidentais, discordam das posições chinesas sobre o Tibete e Taiwan, suspeitam das intenções da China e se ressentem de seu sucesso. Essa desconfiança mútua conduz à armadilha de Tucídides, a da suspeita entre a potência reinante e a ascendente.
 
Os objetivos americanos nas negociações de comércio são incompreensíveis

A China está certa: eles são ridículos. Mas ainda assim as queixas americanas contêm questões genuinamente importantes, especialmente sobre a propriedade intelectual.

A China sobreviverá a esses ataques

Isso quase certamente é verdade. A menos que os Estados Unidos abandonem todos os seus compromissos e busquem impor um embargo econômico à China, a fricção atual não deterá o progresso chinês, ainda que possa retardá-lo. Uma ameaça maior à China poderia vir da reação interna a um ambiente externo muito mais hostil. A resposta provável seria controle econômico e político ainda mais apertado, em lugar da virada necessária em direção a uma economia mais voltada ao mercado, liderada pelo setor privado, e orientada ao consumo.
 
Este ano será um teste
 

Será. Na verdade, o século será um teste. A visão correta que o Ocidente deveria assumir é a de que a China é realmente um competidor significativo. Sua ascensão criará muito dilemas para o Ocidente e especialmente para os Estados Unidos. Mas a China também é um parceiro essencial para garantir um mundo razoavelmente cooperativo, estável, próspero e pacífico.

O Ocidente precisa pensar com muito mais cuidado sobre como um mundo assim funcionaria. A visão do governo dos Estados Unidos - a de que o exercício unilateral do poderio americano basta - fracassará. Os bens comuns globais não serão administrados, dessa maneira - não que o governo Trump se incomode minimamente com isso. E essa visão tampouco propiciará estabilidade; se há dúvidas quanto a isso, veja o caldeirão em que o Oriente Médio se tornou depois de incontáveis intervenções.

É essencial que os ocidentais compreendam que nosso maior inimigo, hoje, é nossa incapacidade de governar bem os nossos países. Enquanto isso, o único futuro para um mundo interdependente precisa se basear em respeito mútuo e cooperação multilateral. Isso não significa aceitar a legitimidade de todas as demandas chinesas. Longe disso. É importante resistir em defesa de nossos princípios. Mas estamos avançando de um passado dominado pelo Ocidente a um futuro pós-ocidental. Temos de nos adaptar a isso da melhor maneira possível.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.