Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Brics

Donald Trump declara guerra comercial à China

Momento é decisivo para relacionamento entre as duas maiores potências mundiais

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Bandeiras da China e Estados Unidos em Pequim - Jason Lee-27-abr-2018/Reuters

O governo Trump apresentou à China um ultimato comercial. É isso que a "proposta básica" para negociações comerciais com a China que os Estados Unidos apresentaram a representantes do governo chinês na semana passada em Pequim representa na prática. A China não pode atender a essas demandas. O governo americano é ou tolo a ponto de não compreender o fato ou arrogante a ponto de não se incomodar com ele. Esse pode ser um momento decisivo para o relacionamento entre as duas maiores potências mundiais.

 

O lado americano exige as seguintes "ações concretas e verificáveis":

A China deve reduzir em US$ 100 bilhões o desequilíbrio no comércio entre os Estados Unidos e a China nos 12 meses que se iniciarão em 1 de junho de 2018, e em mais US$ 100 bilhões nos 12 meses seguintes.

A China também deve eliminar imediatamente todos os "subsídios que distorçam mercados" e conduzam a capacidade excedente. Os chineses devem reforçar a proteção a propriedade intelectual e eliminar requisitos tecnológicos para joint ventures.

"Além disso, a China concordará em deixar de tomar por alvo a tecnologia e propriedade intelectual [dos EUA] por meio de operações cibernéticas, espionagem econômica, falsificação e pirataria. A China também respeitará as leis de controle de exportações dos Estados Unidos“.

A China também retirará suas solicitações à Organização Mundial do Comércio (OMC) quanto a ações tarifárias relacionadas a propriedade intelectual. "Além disso, a China não tomará medidas retaliatórias com relação a medidas tomadas ou a serem tomadas pelos Estados Unidos, entre as quais quaisquer novas restrições americanas... A China abandonará imediatamente todas as ações retaliatórias em vigor".

A China "não se oporá, contestará ou retaliará contra qualquer imposição de restrições pelos Estados Unidos a investimentos chineses em setores sensíveis de tecnologia americanos, ou setores essenciais para a segurança nacional dos Estados Unidos". Mas "os investidores americanos na China devem ter acesso ao mercado e tratamento justo, efetivo e não discriminatório, o que inclui a remoção de restrições ao investimento estrangeiro e requisitos quanto a propriedade/participação acionária estrangeira".

Até 1º de julho de 2020, a China reduzirá as tarifas "em setores não críticos a níveis não superiores" às tarifas americanas equivalentes. Também abrirá acesso a produtos e serviços agrícolas na forma especificada pelos Estados Unidos.

O acordo será monitorado trimestralmente. Caso os Estados Unidos concluam que a China está desrespeitando os termos, poderão impor tarifas ou restrição de importações. A China "não se oporá, contestará ou tomará qualquer forma de ação contra" qualquer dessas imposições americanas. A China também retirará sua queixa à OMC de que não está sendo tratada como economia de mercado.

Como devemos interpretar essas demandas? O apelo por uma redução do déficit em US$ 200 bilhões (ante os US$ 100 bilhões exigidos anteriormente) é ridículo. Exigiria que o Estado chinês assumisse o controle da economia - exatamente aquilo que os Estados Unidos demandam que o país não faça, em outros aspectos.

 

Trata-se de uma violação dos princípios de não discriminação, multilateralismo e conformidade com o mercado que sustentam o sistema de comércio internacional criado pelos Estados Unidos. Os americanos deveriam se envergonhar do que fizeram. As exigências ignoram a probabilidade esmagadora de que os déficits americanos não venham a ser reduzidos, especialmente diante da irresponsabilidade fiscal de seu governo. E elas ignoram os efeitos inevitavelmente adversos que causariam sobre terceiros países.

A demanda de que a China tenha exatamente as mesmas tarifas que os Estados Unidos é quase igualmente ridícula. Não existem argumentos econômicos que sustentem uma política como essa. Seria muito mais razoável exigir que os chineses avancem em direção à mesma tarifa média que os Estados Unidos ou a União Europeia.

Deveria de fato acontecer uma discussão séria sobre os termos do investimento estrangeiro na China e os termos do investimento chinês nos Estados Unidos. Também deveria haver discussão sobre a proteção à propriedade intelectual e sobre a espionagem cibernética. Mas a China jamais aceitará a ideia de que os Estados Unidos ganhem o direito de impedi-la de atualizar sua tecnologia.

A ideia de que os Estados Unidos possam insistir em obter acesso irrestrito ao investimento na China enquanto reservam o direito de restringir o investimento chinês, como o país exige, também deve ser inaceitável.

Por fim, a ideia de que os Estados Unidos sejam juiz, júri e carrasco enquanto a China fica privada do direito de retaliar ou de recorrer à OMC é insana. Nenhuma grande potência soberana aceitaria tal humilhação. Para a China, seria como uma versão moderna dos "tratados desiguais" a que teve de se submeter no século 19.

Os americanos parecem certos de que poderão forçar a China a ceder, por mais tolas e humilhantes que sejam suas exigências. A China talvez saia de fato mais prejudicada em uma guerra de tarifas com os Estados Unidos. Isso aconteceria porque suas exportações aos Estados Unidos são muito superiores às exportações americanas à China.

Uma análise recente da Hoover Institution indica que o crescimento econômico chinês poderia cair em 0,3% por conta de uma guerra de tarifas. Isso seria muito mais custoso do que o efeito sobre os Estados Unidos, mas uma economia dinâmica como a chinesa seria capaz de sobreviver a perdas dessa ordem.

Para os líderes chineses, esses custos seriam muito menores que os de uma rendição abjeta.
Os Estados Unidos estão agindo de maneira errada, tanto econômica quanto politicamente, não só porque buscam humilhar a China mas porque ao mesmo tempo estão travando uma guerra comercial contra seus potenciais aliados. O caminho certo para todos seria tornar essa discussão multilateral, e não estreitamente bilateral.

A China deveria reconhecer que, embora sob alguns aspectos continue a ser um país em desenvolvimento, é também uma superpotência. Deveria adotar princípios de abertura, respeito às regras e comércio liberal. Uma retomada das negociações multilaterais de comércio internacional que estão paralisadas, construída em torno da abertura da economia chinesa, poderia, como dizem os chineses, ser "vantajosa" para todos.

A China deveria assumir a liderança. Os europeus e os japoneses apoiariam a ideia.

Os americanos que são mais conscientes do que seu governo sobre os interesses nacionais dos Estados Unidos precisam compreender que seu país se verá isolado, caso busque um conflito. Isso é o que acontece quando um líder tenta intimidar, e só pensa em satisfazer o próprio ego.
  
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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