Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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O mundo precisa mudar a maneira pela qual tributa empresas

Um sistema de tributação empresarial 'no ponto de chegada' tem muito a seu favor

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Como devemos tributar empresas em um mundo de capital móvel e empresas de alcance mundial? Como se pode encorajar o investimento empresarial e desencorajar a engenharia financeira? Como reduzir a tributação da mão de obra? Como tributar os rentistas e não a atividade produtiva? Como desencorajar esquemas complexos de sonegação de impostos? E é muito importante determinar como se pode reduzir os incentivos a uma corrida mundial de cortes na tributação de empresas.

São questões de política pública imensamente importantes. Elas interessam não só em termos da capacidade de geração de receita pelos governos mas também em termos da legitimidade política do capitalismo. Infelizmente, algumas boas respostas a essas questões, que foram discutidas no recente debate sobre a reforma da tributação empresarial nos Estados Unidos, terminaram abandonadas. A reforma tinha dois princípios: a tributação incidiria sobre os fluxos de caixa e se aplicaria ao ponto de chegada das transações empresariais, não ao ponto de origem. Alguns especialistas propuseram um sistema descrito como "imposto sobre fluxo de caixa no ponto de chegada". E há muita coisa em favor dessa ideia.

Mão de boneco usando calculadora científica
Debate sobre reforma de tributação empresarial nos EUA trouxe para discussão o 'imposto sobre fluxo de caixa no ponto de chegada' - Gabriel Cabral/Folhapress

A base tributária para um sistema como esse seria as entradas não financeiras menos as saídas não financeiras. (Uma base que inclua entradas e saídas financeiras também é viável. Mas desconsiderarei essa hipótese aqui.)

Os custos de investimento e mão de obra seriam deduzidos na íntegra, mas os custos financeiros não poderiam ser deduzidos. O tratamento do investimento como despesa plenamente dedutível faria do governo um parceiro em projetos de investimento, contribuindo para eles e obtendo retornos deles em igual proporção. O imposto incidiria sobre a renda empresarial –o retorno acima dos custos de fatores de produção (incluindo capital) necessários para criá-la. E é essa renda que deveríamos tributar.

Um benefício significativo do sistema é que deixaria de existir o viés atual em favor de financiamento por meio de dívidas, que cria riscos significativos para a estabilidade, como demonstrou a crise financeira. Em termos mais amplos, boa parte da engenharia financeira que testemunhamos parece ser propelida por pouco mais que o desejo de evitar impostos. Isso não oferece qualquer benefício social.

A outra grande mudança seria na direção de tributar o consumo (ponto de chegada) em lugar da produção (origem). Uma maneira de pensar sobre isso é que deveríamos substituir o atual esforço de tributar lucros onde eles são criados por um imposto sobre valor adicionado que isente os custos de mão de obra. Isentar os custos de mão de obra é evidentemente atraente.

Além disso, na tributação por origem, as empresas têm incentivo para transferir sua produção a jurisdições de baixa tributação, e para fora das jurisdições que fizeram delas um sucesso. Nas circunstâncias atuais, com a internet e o papel da propriedade intelectual, boa parte dessa transferência de localização de ativos produtivos é imaginária (ainda que altamente lucrativa). Mas o ponto de chegada nada tem de imaginário, porque é muito mais difícil mascarar onde algo é vendido do que mascarar onde algo é feito. A adoção da tributação no ponto de chegada forçaria as empresas a pagar impostos nos mercados realmente importantes.

Uma das grandes atrações dessa reforma é que ela beneficiaria um país mesmo que ele a adotasse de forma unilateral. O incentivo a investir no país que adotasse a mudança cresceria, porque o investimento seria plenamente dedutível. O novo tributo seria relativamente fácil de impor, porque seria aplicado sobre as vendas de uma empresa em seus mercados.

Ainda mais atraente é o fato de que, se um país adotar essa forma de tributação, pode deixar de tributar a produção de empresas nacionais dirigida a mercados estrangeiros. Isso criaria um incentivo considerável a que produção fosse transferida ao país que adotou as reformas. Esse incentivo poderia persuadir outros países a fazer o mesmo.

É por isso que o fracasso dos Estados Unidos em adotar a reforma proposta foi tão lamentável. Mas depois do brexit, o Reino Unido deveria considerar urgentemente a adoção desse tipo de reforma. Ela elevaria o incentivo a investir; tornaria o Reino Unido uma base atraente para produção destinada aos mercados mundiais; e em geral eliminaria a concorrência desleal de empresas sediadas no exterior e tributadas de maneira amena, contra os competidores nacionais.

A reforma criaria desafios. Um é que as exportações de empresas cuja principal atividade envolva recursos naturais não seriam tributadas. Um imposto específico sobre a renda relacionada a recursos naturais seria necessário, portanto. Também haveria problemas, ainda que solúveis, no tratamento de empresas financeiras.

Mas o ponto principal é claro. O atual sistema de impostos empresariais aplicados sobre a origem, especialmente se os juros forem dedutíveis e as deduções permitida para o investimento forem insuficientes, está criando grandes problemas. Em lugar de ajustar o modelo continuamente, precisamos de uma reforma radical. Tributar fluxos de caixa no ponto de chegada é a reforma necessária. Alguém deveria tentar.
 
Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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