Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Como o mundo de baixa inflação nos países desenvolvidos foi criado

A estagnação secular pós-crise é formada por taxas de juros quase zero, redução parcial do endividamento e políticas populistas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Financial Times

Se queremos compreender a posição em que a economia mundial está hoje, e poderá estar amanhã, precisamos de uma história sobre como chegamos aqui. Uso o termo "aqui" para designar o mundo atual de taxas de juros ultrabaixas, em termos reais e nominais; populismo político; e hostilidade à economia de mercado em todo o planeta.

A melhor história gira em torno da interação entre demanda real e os altos e baixos do crédito mundial. E o mais importante é que essa história não acabou.

Um dado surpreendente é que, antes de 2009, o Banco da Inglaterra jamais emprestou dinheiro a bancos em curto prazo por taxa inferior a 2%. Isso bastou para que o país lidasse com as guerras napoleônicas, com duas guerras mundiais e com a Grande Depressão. E no entanto, agora sua taxa de juros está perto do zero há uma década.

E o banco central britânico está em boa companhia. O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, conseguiu elevar sua taxa de fundos federais a 2,5%, mas com muita dificuldade. No Banco Central Europeu (BCE), a taxa de juros de referência continua próxima de zero, assim como no Banco do Japão.

No caso deste último, a taxa de juros de referência está próxima do zero desde 1995. Mas nem assim o banco central japonês conseguiu produzir inflação muito acima de zero.

A inflação baixa não é problema só para o Japão. Ela continua notavelmente baixa em outros países, igualmente.

Banco Central Europeu, localizado em Frankfurt na Alemanha
Banco Central Europeu, localizado em Frankfurt na Alemanha - Xinhua/Lu Yang

A verdade é que não deveríamos nos surpreender muito com esse mundo de inflação persistentemente baixa e políticas monetárias ultra-agressivas, entre as quais compras diretas de ativos pelos bancos centrais e empréstimos de longo prazo a bancos em termos muito positivos.

Ray Dalio, da administradora de fundos Bridgewater, expôs a lógica da situação em seu mais recente e importante livro. O ponto central é que os governos de países cujas dívidas são denominadas em suas próprias moedas são capazes de administrar as consequências de uma crise criada por crédito excessivo.

Acima de tudo, eles podem estender os ajustes por um período longo, o que previne uma grande depressão causada por uma espiral descendente de falências em massa e colapso da demanda.

Dalio​ descreve esse percurso como um "processo bonito de redução de dívidas". O objetivo é atingido por meio de uma mistura de quatro elementos: austeridade; reestruturação de dívidas e calotes escancarados; "impressão" de dinheiro pelos bancos centrais, ao menos para sustentar os preços dos ativos; e outras transferências de renda e riqueza.

Um elemento importante nesse processo de redução de dívidas é manter as taxas de juros de longo prazo abaixo do ritmo de crescimento das rendas nominais. E isso de fato foi realizado, mesmo na Itália.

As autoridades econômicas americanas tiveram mais sucesso em sua reação abrangente à crise. Na década de 1990, o Japão demorou demais para adotar a combinação correta de políticas.

O mesmo aconteceu com a zona do euro depois de 2008, em boa parte por causa dos obstáculos a uma política fiscal ativa, em uma união monetária, mas também por conta de resistência ideológica ao uso das plenas capacidades de um banco central. A resposta do Reino Unido ficou a meio caminho da resposta americana, por um lado, e da resposta do Japão e da zona do euro, por outro.

Mesmo que as políticas necessárias tenham sido adotadas com sucesso, elas sempre foram impopulares. Isso se aplica ainda mais ao período posterior a qualquer crise financeira.

O compartilhamento dos prejuízos gerados por uma crise financeira, seguido por uma recuperação inevitavelmente fraca, sempre cria ira por parte do público.

ESTAGNAÇÃO

E onde estamos, depois disso tudo?

Não onde desejaríamos estar, é a resposta, em três aspectos. Primeiro, embora as dívidas domiciliares e do setor financeiro tenham caído com relação às rendas, nas economias  maduras, o mesmo não pode se dito para as dívidas de governos ou de empresas não financeiras.

Segundo, a crise transatlântica deflagrou explosões de dívida compensatórias em outras partes, especialmente a China.

Terceiro, as economias atingidas pela crise continuam bem abaixo de suas tendências de potencial de produção anteriores à crise. E o ritmo de crescimento da produtividade também tende a ser baixo.

Por fim, as políticas populistas, de esquerda e de direita, continuam em ação. Tudo isso se alinha às experiências de grandes crises de dívida no passado; elas sempre deitaram longas sombras sobre o futuro.

O que pode acontecer em seguida, assim? Para responder, precisamos considerar não só o mundo pós-crise que conhecemos como também o que veio antes dele.

Um dado crucial é que o mundo da queda nas taxas de juros reais precedeu a crise. Larry Summers descreveu o fenômeno com o termo "estagnação secular" - ou seja, um mundo de demanda agregada estruturalmente fraca.

Um momento decisivo foi a crise financeira asiática [1997-1999], depois da qual as economias mais dinâmicas do planeta se tornaram exportadoras líquidas de capital. Mas há outros fatores significativos: índices de poupança bruta elevados em economias emergentes importantes; crescimento de produtividade persistentemente fraco nas economias de alta renda; o envelhecimento da população, em muitas economias, e com isso a queda na demanda por capital físico; e a desindustrialização nos países de alta renda.

Também importantes foram as rápidas quedas nos preços relativos dos bens de capital e viradas na distribuição de renda em direção ao lucro e às pessoas bem pagas. O efeito geral foi mudar o balanço entre a renda potencial e o gasto desejado. O resultado foi uma queda nas taxas reais de juros.

Mesmo a crise financeira resultou desse ambiente. As taxas de juros baixas (reais e nominais) deflagraram uma alta nos preços dos imóveis, e uma consequente explosão de crédito, especialmente nos Estados Unidos e nos países periféricos da Europa. Essas bolhas de crédito propeliram a demanda mundial no começo dos anos 2000. Mas se provaram insustentáveis, nos legando o mundo pós-crise em que vivemos desde 2008.

Mas aquele mundo não acabou. As taxas de juros que vemos hoje são prova disso.

Podemos dividir as duas últimas décadas em dois períodos: a "estagnação secular pré-crise" era um mundo caracterizado por taxas de juros baixas e em queda, e por bolhas imobiliárias e de crédito imensamente desestabilizadoras. A "estagnação secular pós-crise" é um mundo de taxas de juros quase zero, redução parcial do endividamento e políticas populistas onipresentes.

Assim, que cara terá o próximo período? A economia mundial escapará em direção a algo menos instável? Ou corremos o risco de desordenamentos por conta de crises de dívida e instabilidade política renovadas? E quais seriam as melhores opções de resposta, nesse caso? Planejo tratar dessa questão na semana que vem.
 
Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.