A vitória esmagadora de Narendra Modi na eleição indiana é uma realização pessoal extraordinária. Confirma a ascendência de Modi sobre o segundo país mais populoso do planeta, e sua maior democracia. Confirma a marginalização do Partido do Congresso, que dominou a política da Índia pela maior parte do período posterior à independência, conquistada em 1947. Confirma a ascensão do nacionalismo hindu como ideologia cada vez mais dominante, em lugar do laicismo promulgado pelos fundadores da Índia independente.
Tudo isso é muito importante. Mas o que essa eleição poderia significar para a economia e a reforma econômica? Veremos um Modi mais reformista em ação, ou uma repetição do primeiro mandato? A segunda resposta é mais provável. E isso infelizmente pode ser desastroso.
É raro que um líder se torne mais radical no segundo mandato do que foi no primeiro. Também é normal que os traços de líderes carismáticos e autoconfiantes se tornem mais pronunciados. De fato, como vimos com Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan, eles tendem a se tornar mais autocráticos. Modi terminará por seguir esse exemplo? Ele é um autodidata e não confia nos tecnocratas indianos com formação ocidental. É centralizador e provou que se inclina mais a interferir no mercado do que a liberalizá-lo. Mas também está disposto a aceitar apostas. Dado seu sucesso político, é difícil acreditar que esses traços não venham a se tornar mais fortes no novo mandato.
O primeiro governo de Modi realizou coisas significativas, mas não transformadoras. Uma de suas contribuições importantes foi estender aos mais pobres a provisão de bens e serviços públicos essenciais: gás de cozinha, vasos sanitários, energia elétrica, habitação, contas bancárias e seguro-saúde para emergências.
Ele também implementou duas reformas significativas e que vinham sendo discutidas há muito tempo: a adoção da lei de insolvência e falência e a implementação do imposto geral de vendas (GST, na sigla em inglês), ainda que ambas tenham enfrentado sérios problemas. A desmonetização radical de 2016 continua a ser altamente controversa. Mas a maioria dos observadores informados acredita que tenha sido um imenso erro.
Ação muito mais radical se tornou necessária, agora, pois a Índia está diante de alguns grandes desafios. A economia parece estar se desacelerando significativamente. Em coluna recente, Shankar Acharya, antigo assessor econômico chefe do governo indiano, aponta que o crescimento no trimestre final do ano fiscal de 2018 -2019 foi de 5,8%, o mais baixo em 20 trimestres. O investimento também vem sendo notavelmente fraco.
A mais recente pesquisa periódica sobre a força de trabalho confirmou que "a situação do emprego na nação é a pior das últimas décadas, com pouco menos da metade da força de trabalho empregada ou procurando emprego". As exportações de bens estão estagnadas dede 2011-2012. O déficit fiscal combinado do governo central e dos governos estaduais equivale hoje a cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB).
O desafio de resolver o problema do "duplo balanço" de ativos de liquidação duvidosa nos bancos e obrigações de dívida não pagas nas empresas continua a ser significativo, e um problema novo e sério emergiu nas companhias financeiras não bancárias. No contexto de balanços distendidos, o relaxamento muito necessário da política monetária vem exercendo efeito limitado.
Tudo isso é bastante preocupante. Arvind Subramanian, que era o assessor econômico chefe do governo até o ano passado, agora expressou uma preocupação ainda maior, ao argumentar que "as estimativas oficiais avaliam o crescimento anual do PIB entre 2011-2012 e 2016-2017 em 7% anuais. Estimamos que o crescimento real tenha sido da ordem de 4,5%". Se ele estiver certo, as interpretações passadas sobre o desempenho da economia indiana e a confiabilidade das estatísticas indianas claramente não se justificam.
Para além dessas preocupações, todas significativas, há a deterioração do ambiente mundial. Hoje existe possibilidade real de guerra no Oriente Médio, com efeitos possivelmente graves sobre o preço do petróleo. Ainda mais grave, o desfecho das guerras comerciais de Donald Trump continua altamente imprevisível. Parece improvável que o rompimento da relação comercial entre os Estados Unidos e a China beneficie a Índia, já que esta jamais pareceu disposta, ou capaz, de se tornar um núcleo mundial de produção industrial. Mas a desintegração do sistema mundial de comércio é perigosa, especialmente para um país que não é parte de qualquer dos grandes arranjos comerciais regionais.
É claro que a Índia necessita de reforma, se deseja prosperar. O país precisa reparar seu sistema financeiro, talvez por meio da criação de um banco público para acumular todo os maus ativos, a fim de acelerar o reparo dos balanços bancários problemáticos.
Como argumenta Acharya, a Índia também precisa continuar a reforma de suas leis e regulamentos trabalhistas, facilitar a aquisição de terrenos para uso não agrícola, reformar a comercialização de produtos agrícolas, e fazer com que os procedimentos de falência funcionem melhor.
Boa parte do esforço necessário teria de ter por foco as instituições de governo, entre as quais o sistema tributário, a política de competição, a administração dos recursos naturais (especialmente água e qualidade do ar), a educação, a agricultura, e as relações entre o governo central e os estaduais. Os serviços estatísticos aparentemente também precisam de reforma séria.
Modi precisa se tornar uma exceção à regra de que os líderes em segundo mandato não se saem melhor do que no primeiro. Precisa usar o prestígio e poder de que desfruta atualmente para transformar a Índia. Ele precisa reforçar as instituições—não enfraquecê-las— e promover os mercados– sem agrilhoá-los. Também precisa garantir a segurança econômica básica de todos os indianos.
Caso a ausência de ação leve a novos tropeços para a economia indiana, as consequências podem ser perigosas. A grande preocupação é que líderes fortes tendem a optar pela política da paranoia, quando a economia claudica. Na Índia, isso pode ser letal. Promover reformas profundas se tornou essencial, se Modi deseja legar ao futuro uma Índia estável. Ele tem liberdade para agir. E é hora de fazê-lo.
Financial Times, tradução de Paulo Migliacci
Martin Wolf
Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.
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