Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Precedentes perturbadores para o mundo de hoje

Eventos evocam não os anos 1930, mas o período anterior à Primeira Guerra Mundial

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A história não se repete, mas frequentemente rima. Essa observação é muitas vezes atribuída incorretamente a Mark Twain. Mas é uma boa.

A história é o guia mais poderoso do presente, porque fala sobre o que é permanente em nossa humanidade, especialmente as forças que nos conduzem ao conflito. Uma vez que o maior evento geopolítico atual é, de longe, o crescente atrito entre os Estados Unidos e a China, é esclarecedor relembrar eventos passados semelhantes. Em um livro instigante, "Destined for War" [Destinados à guerra], Graham Allison, de Harvard, começou com o relato da guerra do Peloponeso por Tucídides, o grande historiador ateniense do século 5º a.C. No entanto, vou me concentrar nas três épocas de conflito dos últimos 120 anos. Há muito a se aprender com elas.

O conflito mais recente foi a Guerra Fria (1948-1989) entre um Ocidente liberal democrático, liderado pelos EUA, e a União Soviética comunista, uma versão transformada do Império Russo anterior à Primeira Guerra Mundial. Este foi um grande conflito de poder entre os principais vencedores da Segunda Guerra Mundial. Mas também foi um conflito ideológico sobre a natureza da modernidade.

O Ocidente acabou vencendo. Isso ocorreu porque a escala das economias ocidentais e a velocidade de seus avanços tecnológicos superaram amplamente as da União Soviética. Os súditos do império soviético também ficaram decepcionados com seus governantes corruptos e despóticos, e a própria liderança soviética concluiu que seu sistema havia falido. Apesar dos momentos de perigo, notadamente a crise dos mísseis cubanos de 1962, a Guerra Fria também terminou pacificamente.

Indo mais longe, chegamos aos anos entre guerras. Foi um interregno em que a tentativa de restaurar a ordem anterior à Primeira Guerra Mundial fracassou, os EUA se retiraram da Europa e uma enorme crise financeira e econômica, originalmente emanando dos EUA, devastou a economia mundial. Foi uma época de conflitos civis, populismo, nacionalismo, comunismo, fascismo e nacional-socialismo. Os anos 1930 são uma lição permanente da possibilidade de colapso democrático quando as elites fracassam. São também uma lição do que acontece quando grandes países caem nas mãos de lunáticos famintos por poder.

Recuando ainda mais, chegamos ao período decisivo de 1870-1914. Como Paul Kennedy observou em seu livro clássico, "A ascensão e queda das grandes potências", em 1880 o Reino Unido gerou 23% da produção industrial global. Em 1913, esse número tinha caído para 14%. No mesmo período, a participação da Alemanha passou de 9% para 15%. Essa mudança na balança europeia levou a uma guerra de Tucídides catastrófica entre o Reino Unido, potência ansiosa por posição, especialmente depois que os alemães começaram a construir uma frota moderna e a Alemanha, uma potência ressentida em ascensão. Enquanto isso, a produção industrial dos EUA passou de 15% para 32% da produção mundial, enquanto a China caiu na irrelevância. Assim, a ação dos EUA (nos grandes conflitos do século 20) e sua inação (nos anos entre guerras) determinaram os resultados.

A era atual é uma mistura dos três. É marcada por um conflito de sistemas políticos e ideologia entre duas superpotências, como na Guerra Fria, por um declínio pós-financeiro da confiança na política democrática e na economia de mercado, bem como pela ascensão do populismo, nacionalismo e autoritarismo, assim como na década de 1930 e, mais significativamente, por uma drástica mudança no poder econômico relativo, com a ascensão da China, como os Estados Unidos antes de 1914. Pela primeira vez desde então, os EUA enfrentam uma potência com um potencial econômico superior ao seu.

O período anterior a 1914 terminou em uma guerra catastrófica, assim como os anos entre guerras, embora com um resultado relativamente bem sucedido pós-1945. A Guerra Fria terminou em triunfo pacífico. Hoje o mundo enfrenta desafios que se equiparam facilmente aos dos períodos anteriores. Então, que lições podemos aprender com essas épocas?

Talvez o mais óbvio seja que a qualidade da liderança é importante. As capacidades e intenções do presidente Xi Jinping são bastante claras: ele é dedicado ao domínio do partido sobre uma China ressurgente. Mas o sistema político do mundo ocidental, especialmente os EUA e o Reino Unido, as duas potências que puxaram o mundo durante os anos 1930, está falindo. A liderança errática do presidente dos EUA, Donald Trump, lembra a da Alemanha sob o cáiser Guilherme. Sem uma liderança melhor, o Ocidente e o mundo em geral estão em apuros.

Outra lição é a importância primordial de se evitar a guerra. O professor Allison descreve bem como a suspeição mútua alimentou a jornada até a guerra de 1914. É ainda mais crucial para os EUA e a China evitarem conflitos diretos agora. Esse foi o grande sucesso da Guerra Fria. Mas a dissuasão nuclear talvez não seja suficiente.

No entanto, talvez a conclusão mais importante seja que evitar mais uma catástrofe é insuficiente. Não podemos permitir os velhos jogos de grande rivalidade de poder, por mais inevitáveis que pareçam.

Nossos destinos estão entrelaçados demais para tanto. Uma visão de soma positiva das relações entre o Ocidente, a China e o resto deve se tornar dominante se quisermos administrar os desafios econômicos, de segurança e ambientais diante de nós.

A humanidade precisa se sair muito melhor que antes. Hoje, isso deve parecer uma fantasia, diante da qualidade da liderança ocidental, do autoritarismo na China e da maré crescente de desconfiança mútua.

Mas precisamos tentar. Temos que gerenciar estrategicamente essa nova era difícil. Hoje, todo o nosso futuro depende de nossa capacidade de fazer isso.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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