Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Como reformar o capitalismo deturpado atual

Precisamos corrigir o enfraquecimento da competição, o crescimento fraco da produtividade, a desigualdade forte e a democracia degradada

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

“Fica claro, então, que... os Estados nos quais o elemento médio é grande, e se possível mais forte do que os outros dois [ricos e pobres] somados, ou pelo menos mais forte do que qualquer um dos dois isoladamente, têm toda probabilidade de apresentar uma constituição bem administrada”. Foi como Aristóteles sumarizou sua análise das cidades-estados gregas.

A estabilidade daquilo que hoje designaríamos “democracia constitucional” dependia do tamanho da classe média. Não é por acaso que os Estados Unidos e o Reino Unido, democracias por muito tempo estáveis que hoje estão sucumbindo diante da demagogia, são os mais desiguais entre os países ocidentais de alta renda. Aristóteles, podemos ver, estava certo.

Minha análise do “capitalismo deturpado”, em setembro, concluía que “precisamos de uma economia capitalista dinâmica que dê a todos uma crença justificada em que é possível compartilhar dos benefícios.

O que temos visto com cada vez mais frequência é um capitalismo rentista instável, competição enfraquecida, crescimento débil da produtividade e, não por coincidência, uma democracia cada vez mais degradada”. O que fazer, assim?

A resposta não é derrubar a economia de mercado, desfazer a globalização ou deter a mudança tecnológica. É fazer o que foi feito muitas vezes no passado: reformar o capitalismo. Foi o argumento que propus em um recente debate com o ex-ministro das finanças grego Yanis Varoufakis, sobre termos ou não a possibilidade de salvar o capitalismo liberal.

Argumentei, em termos práticos, que “se desejamos que tudo fique como está, precisamos mudar tudo”, como escreveu o romancista italiano Giuseppe Tomasi de Lampedusa. Se queremos preservar nossa liberdade e democracia, precisamos abraçar a mudança. Há cinco áreas de política pública que precisam ser corrigidas.

Primeiro, a competição. O maravilhoso livro “The Great Reversal” [a grande reversão], de Thomas Philippon, demonstra até que ponto a competição perdeu força nos Estados Unidos. Isso não resulta de forças inevitáveis, mas de escolhas de política pública, especialmente o abandono de uma política ativa de defesa da competição.

Os mercados americanos se tornaram menos competitivos, a concentração é alta, os líderes das empresas parecem inamovíveis e o nível de lucro é excessivo. Além disso, a falta de competição prejudicou os consumidores e trabalhadores dos Estados Unidos: conduziu a preços mais altos, investimento mais baixo e crescimento menor da produtividade.

Em um estudo sobre a redução da desigualdade, parte da notável coletânea “Beyond Brexit: A Programme for UK Economic Reform” [para além do brexit: um programa para a reforma econômica do Reino Unido], Russell Jones e John Llewellyn argumentam que a concentração e as altas de preços também se tornaram mais frequentes no Reino Unido.

Nos 10 últimos anos, Amazon, Apple, Facebook, Google e Microsoft, somadas, realizaram mais de 400 aquisições em todo o mundo. Companhias dominantes não deveriam ter a liberdade de adquirir potenciais rivais. Tal poder político e de mercado é inaceitável. Uma reformulação da política de defesa da competição deveria começar pela suposição de que fusões e aquisições precisam ter justificativas adequadas.

Segundo, finanças. Uma das conclusões mais notáveis de Philippon é que o custo por unidade de intermediação financeira não cai nos Estados Unidos há 140 anos, a despeito dos avanços tecnológicos. Essa estagnação nos custos não significou estabilidade financeira, infelizmente. Também existem provas de que existe simplesmente crédito demais e dívida demais.

Quanto a isso, também existem soluções radicais: elevar substancialmente os requerimentos de capital dos intermediários bancários, e reduzir as intervenções prescritivas; e, crucialmente, tornar os juros não dedutíveis dos impostos, o que equipararia o financiamento por dívida ao financiamento por obtenção de capital.

Terceiro, a companhia. A companhia por ações e de responsabilidade limitada foi uma grande invenção, mas também é uma entidade altamente privilegiada. O foco estreito em maximizar o valor para os acionistas exacerbou os efeitos colaterais desfavoráveis.

Como argumenta o relatório “Princípios para os Negócios Efetivos”, da Academia Britânica, ”o propósito dos negócios é resolver os problemas das pessoas e do planeta lucrativamente, e não lucrar por causarem problemas”. Isso é evidente. Mas também é inútil confiar apenas na regulamentação para nos salvar das consequências do comportamento míope das empresas, especialmente quando elas empregam seus vastos recursos para fazer lobby no sentido oposto.

A organização de lobby empresarial americana US Business Roundtable reconheceu o fato. Precisamos de novas leis, para promover as mudanças requeridas.

Quarto, desigualdade. Como advertiu Aristóteles, para além de um determinado ponto, a desigualdade é corrosiva. Torna a política mais faciosa, solapa a mobilidade social, enfraquece a demanda agregada e desacelera o crescimento econômico.

No livro “Unbound” [libertado], Heather Boushey expõe tudo isso com detalhes convincentes. Enfrentar o problema vai requerer uma combinação de políticas: uma postura mais proativa quanto à competição; ataques à sonegação e às manobras para evitar impostos; uma divisão mais justa do fardo tributário do que a vigente na maioria das democracias ocidentais hoje; mais investimento na educação, especialmente a dos muito jovens; e políticas ativas quanto ao mercado de trabalho, combinadas a salários mínimos decentes e restituições de impostos.

Os Estados Unidos têm baixa participação de adultos em idade produtiva na força de trabalho, a despeito dos mercados de trabalho desregulamentados e de um Estado de bem-estar social mínimo. É possível conseguir resultados muito melhores.

Por fim, nossas democracias precisam ser reformadas. As preocupações mais importantes são provavelmente o papel do dinheiro na política e a maneira pela qual a mídia opera. O dinheiro compra políticos. Isso é plutocracia, não democracia.

O impacto maligno das notícias falsas (que são o oposto do que o presidente americano quer dizer quando ele emprega o termo) também é claro. Precisamos de verbas públicas para os partidos, transparência completa quanto às verbas privadas de campanha e um uso muito maior de fóruns consultivos.

Sem reforma política, pouco do que precisamos em outras áreas acontecerá. Se as coisas ficarem como estão, é provável que o desempenho político e econômico piore, até que nosso sistema de capitalismo democrático desabe, total ou parcialmente. Ou seja, a causa é grande. E a urgência também. Não devemos aceitar o status quo. Ele não funciona e precisa mudar.

Tradução de Paulo Migliacci

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.