Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

A reeleição de Trump seria perigosa para o mundo

Ideia do Ocidente como uma aliança com bases morais poderá evaporar se o presidente vencer

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Com um salto, o presidente Donald Trump se livrou. Com a esperada demonstração de partidarismo deslavado, os senadores republicanos (com exceção de Mitt Romney) abandonaram o papel ordenado pela Constituição de juízes de seu suposto abuso de poder. Eles remeteram a decisão aos eleitores no pleito presidencial de novembro. Trump terá muitas vantagens: apoiadores apaixonados, um partido unido, o colégio eleitoral e uma economia saudável. Sua reeleição parece provável.

O motivo mais evidente pelo qual Trump poderá vencer de novo é a economia. Mesmo segundo seus padrões, o discurso sobre o Estado da União da semana passada foi um caso de exageros empilhados sobre hipérboles. Como salientou Joseph Stiglitz, o economista prêmio Nobel, o desempenho dos EUA continua fraco pelos padrões de seus pares em aspectos importantes, notadamente a expectativa de vida, índices de emprego e desigualdade. Além disso, a produção, o emprego, o desemprego e os salários reais são tendências pós-crise que continuam de modo geral.

O presidente Donald Trump desembar em Nova Jersey, Estados Unidos
O presidente Donald Trump desembar em Nova Jersey, Estados Unidos - Leah Millis/Reuters

Diante da escala do estímulo fiscal, que produziu enormes e duradouros déficits fiscais estruturais, essa não é uma grande conquista. No entanto, muitos americanos sentem que a economia está melhorando. Isso certamente terá um papel importante na próxima eleição.

Se Trump vencer, a vitória poderá ser ainda mais significativa que a primeira. Que a população americana escolha um demagogo clássico duas vezes não poderia ser considerado um acaso. Seria um momento decisivo.

A implicação mais óbvia da vitória de Trump seria para a democracia liberal nos Estados Unidos. O presidente acredita que está acima da prestação de contas à lei ou ao Congresso pelo que ele faz no cargo. Ele considera que só tem de prestar contas ao eleitorado (ou melhor, ao seu eleitorado). Também acredita que membros nomeados de seu governo, servidores públicos e autoridades eleitas de seu partido devem lealdade a ele, e não a uma causa maior.

Os pais fundadores temiam exatamente esse homem. No primeiro dos Documentos Federalistas, Alexander Hamilton escreveu que "dos homens que derrubaram as liberdades das repúblicas, o maior número começou suas carreiras cortejando obsequiosamente o povo; começando como demagogos e terminando como tiranos". Nisso, ele seguiu Platão, que escreveu como um homem que ganhava poderes como protetor do povo poderia se tornar "um lobo --isto é, um tirano". Em seu Discurso de Despedida em 1796, George Washington afirmou que as "desordens e misérias que resultam [do faccionalismo] gradualmente inclinam as mentes dos homens a buscar segurança e repouso no poder absoluto de um indivíduo". O faccionalismo é certamente prevalente nos EUA hoje.

Não podemos saber até onde Trump desejaria ir ou até onde as instituições da República o deixariam ir.

Mas há algo que Trump poderia fazer, além de perder a lealdade de sua base, que convencesse Mitch McConnell, o líder da maioria no Senado, a voltar-se contra ele? Não são as instituições, mas as pessoas que as servem, que mais importam.

Mesmo que a grande República sobrevivesse ao julgamento amplamente ilesa (o que é otimista), a reeleição desse homem –um demagogo, nacionalista, mentiroso incontinente e admirador de tiranos– teria importância mundial.

Os déspotas veem Trump como um espírito irmão. Os liberal-democratas se sentiriam ainda mais abandonados. A ideia do Ocidente como uma aliança com alguma base moral evaporaria. Seria no máximo um bloco de países ricos tentando manter sua posição global. Como nacionalista, ele continuaria a rejeitar e desprezar a União Europeia, tanto como ideal quanto como um detentor de poder econômico equivalente ao dos EUA.

David Helvey, secretário-assistente em exercício da Defesa dos EUA, escreveu recentemente sobre a hostilidade da China e da Rússia à "ordem regrada". Esse ideal importa de fato. Infelizmente, seu inimigo mais poderoso é hoje seu próprio país, porque sempre confiou na visão e na energia americanas. Com seu mercantilismo e bilateralismo, Trump atirou um míssil intelectual e moral contra o sistema de comércio mundial. Ele até vê seu próprio país como a maior vítima de sua própria ordem. O problema, então, não é que Trump não acredite em nada, mas sim que o que ele acredita é com frequência muito errado.

De modo mais amplo, seu transacionalismo em curto prazo e a disposição a usar todos os instrumentos disponíveis do poderio americano criam um mundo instável e imprevisível não apenas para os governos, mas também para as empresas. Essa incerteza também pode piorar em um segundo mandato. É uma pergunta em aberto se algum tipo de Estado de direito internacional sobreviveria.

Há enormes desafios práticos que precisam ser administrados. Um deles é o complexo e frágil relacionamento dos EUA com a China. Mas sobre isso Trump está longe dos americanos mais combativos. Ele tem um laivo de pragmatismo. Gosta de fazer acordos, por mais encruados que sejam.

Talvez a questão mais importante (com exceção de evitar a guerra nuclear) seja a administração dos espaços comuns globais –principalmente a atmosfera e os oceanos. Preocupações cruciais são o clima e a biodiversidade. Resta pouco tempo para agir contra as ameaças a ambos. Um novo governo Trump, hostil a essas causas e ao próprio conceito de cooperação global, tornaria impossível a ação necessária.

Muitas vezes esse governo não parece sequer admitir os bens públicos como uma categoria de desafios dignos de interesse.

Vivemos um momento de inflexão na história. O mundo precisa de liderança global excepcionalmente sábia e cooperativa. Não estamos tendo isso. Pode ser tolice esperá-lo. Mas a reeleição de Trump poderia marcar um fracasso decisivo. Prestem atenção: o ano 2020 é importante.

 Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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