Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

A última chance da transição climática

Alcançar zero emissões até 2050 exigiria uma cooperação global sem precedentes

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No Fórum Econômico Mundial em Davos neste ano, duas pessoas se destacaram: Greta Thunberg, a ativista climática sueca de 17 anos, e Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos. Em suas mensagens sobre a mudança climática, os dois não poderiam ser mais opostos: pânico confrontado com indiferença.

Mas uma coisa eles têm em comum: não são hipócritas. Thunberg não finge que estamos fazendo algo relevante; Trump não finge que se importa. A maioria dos participantes no debate sobre o clima, porém, finge que se importa, finge agir, ou ambos. Para que algo seja feito, isso precisa mudar.

Nossa civilização continua baseada no combustível fóssil desde o início do século 19. Houve duas grandes revoluções energéticas na história humana: a revolução agrícola, que explorou muito mais a luz solar incidente; e a revolução industrial, que explorou a luz do sol fossilizada. Agora devemos voltar à luz solar incidente —energia solar e eólica— juntamente com a energia nuclear, mantendo nossos altos padrões de vida.

A questão dessa última revolução energética, porém, não é elevar nossos padrões de vida diretamente, mas preservar o único lar que conhecemos, em um estado a que a vida está adaptada. É evitar um experimento irreversível com o clima de nosso planeta. Até agora, entretanto, apesar de décadas de conversas, as tendências das emissões continuam na direção errada.

 ativista Greta Thunberg fala ao microfone
A ativista Greta Thunberg durante manifestação em Lausanne, Suíça - Pierre Albouy - 29.jan.2020/Reuters

O que deve ser feito? As discussões na semana passada no Fórum de Energia de Oslo esclareceram as coisas para mim. Minha principal conclusão foi que uma transformação de nosso atual sistema de energia para outro diferente é a única opção. Alguns sugerem que também devemos conter o crescimento.

Mas isso não apenas seria impossível, como também não seria suficiente, nem de longe.

Nas últimas três décadas as emissões de CO2 por unidade de produção global vêm caindo pouco menos de 2% ao ano. Se isso continuasse e a produção global estagnasse, as emissões globais cairiam 40% até 2050 --muito pouco. Contando com as reduções reais na produção, para cortar as emissões em, digamos, 95% até 2050 exigiria uma queda na produção global de aproximadamente 90%, levando a produção global per capita aos níveis de 1870.

As conclusões são simples. Não vamos parar de depender dos combustíveis fósseis escolhendo o empobrecimento universal. Mas também não podemos parar de usá-los cedo o suficiente, ao nosso ritmo atual glacial de redução das emissões por unidade de produção. Por isso precisamos acelerar maciçamente o progresso tecnológico no sentido oposto à queima de combustíveis fósseis.

Devemos superá-los quase completamente. Se conseguirmos isso, o tamanho de nossa economia deixa de ser o problema: por maior que se torne a economia, ela deixa de emitir gases do efeito estufa. Mas note: para alcançar isso até 2050, o ritmo de redução das emissões por unidade de produção precisa dar um salto enorme.

Isso é alcançável? De um ponto de vista tecnológico, parece que sim. Pelo menos é o que afirma a Comissão de Transições Energéticas em diversos relatórios importantes. As ideias básicas são simples.

O núcleo do novo sistema energético são a eletricidade gerada por meios renováveis (solar e eólico) e a energia nuclear. Isso precisa ser apoiado por diversos sistemas de armazenamento (baterias, hidroeletricidade, hidrogênio e gás natural, com captura e armazenamento de carbono).

As reduções em custos já foram grandes o suficiente e o progresso tecnológico rápido o bastante para tornar factível essa transição, a um custo administrável.

Isso seria uma revolução, porém. Uma economia de zero carbono exigiria cerca de quatro a cinco vezes a quantidade de eletricidade que temos hoje, toda de fontes sem emissão de carbono. Para movimentar essa economia, o hidrogênio (grande parte do qual é produzido por eletrólise) teria um papel essencial. O consumo de hidrogênio poderia aumentar 11 vezes até 2050.

Em muitos setores, os custos da descarbonização são competitivos, ou logo serão. Mas em outros não. Serão necessários incentivos e regulamentação para forçar a mudança. Para evitar simplesmente mover a produção, em suas formas com emissões mais intensas, para outro lugar seria essencial aplicar impostos compensatórios às importações de jurisdições que se recusam a apoiar as mudanças necessárias.

Suponha que uma transição para uma economia global com zero emissões até 2050 seja de fato tecnologicamente exequível. Isso não quer dizer que é provável que aconteça em consequência de forças puramente econômicas. É assim por dois motivos. O primeiro é que as vantagens de custos das alternativas descarbonizadas são, em muitas áreas, no máximo modestas.

Essas não estão (pelo menos ainda não) perto de ser tecnologias dominantes em todas as áreas relevantes. O segundo é que sempre há uma inércia enorme ao se fazer mudanças para novas tecnologias, especialmente em áreas onde métodos e sistemas conhecidos devem ser substituídos por outros totalmente novos.

Sabemos muito bem conduzir confiavelmente e em grande escala uma economia de combustível fóssil. Uma economia confiável com energia totalmente renovável é, no melhor dos casos, incomum.

Uma transição de sistemas globais nessa escala não acontecerá por si só. Ela exigirá intervenções políticas em grande escala, por meio de uma combinação de regulamentos, incentivos e pesquisa e desenvolvimento apoiados pelos governos.

Exigirá cooperação global e claro reconhecimento de posições muito diferentes —em termos de comportamento passado, responsabilidade atual e necessidades futuras— dos países do mundo. Exigirá mudanças em finanças e contabilidade.

Em suma, exigirá um esforço global histórico de um tipo que nunca vimos, para evitar um perigo que ainda parece remoto à vasta maioria dos seres humanos.

Isso precisa ser feito. Mas será? Thunberg teme nossa inação. Trump é um dos motivos pelos quais ela está certa. Temos muito a fazer em um tempo muito curto. Para termos êxito em conter a mudança climática, precisamos mudar de rumo agora.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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