Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Por que pandemia pode vir acompanhada de uma inflação?

Governos deveriam financiar suas dívidas pelas taxas ultrabaixas de hoje, com as maturidades mais longas possíveis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A pandemia foi comparada a uma guerra, embora contra uma doença, e não outros seres humanos. Assim como uma guerra, ela está reformulando economias e exigindo enormes aumentos dos gastos públicos e suporte monetário. Certamente ela demandará uma dívida pública muito maior e balanços dos bancos centrais.

Isso quer dizer que a pergunta sobre se esse longo ciclo de dívida deve acabar em inflação tem de ser respondida na afirmativa? Não, mas é possível. Depois da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha afastou sua dívida interna da guerra com a hiperinflação de 1923. Depois da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido surgiu com uma dívida fiscal de 250% do PIB. Uma inflação modesta ajudou a desgastar parte dela.
E o que poderá acontecer agora? Precisamos começar pelas condições iniciais.

Entramos nesta crise com altos níveis de dívida privada, baixas taxas de juros e uma inflação persistentemente baixa. No grupo dos sete países de maior renda, nenhum tem uma dívida próxima daquela do Reino Unido em 1945. Mas a dívida líquida do Japão antes da crise era de 154% do PIB e a da Itália, 121%.

O impacto econômico da Covid-19 é diferente do de uma grande guerra. As guerras reestruturam as economias e destroem o capital físico. O coronavírus encolheu as economias suprimindo ao mesmo tempo a oferta e a demanda que dependem de contato humano próximo. O impacto imediato, como afirma Olivier Blanchard, do Instituto Peterson para Economia Internacional, parece fortemente deflacionário: o desemprego disparou, os preços das commodities despencaram, muitos gastos desapareceram e as poupanças precaucionárias subiram muito. Os padrões de consumo mudaram tanto que os índices de inflação são insignificantes.

Durante mais de uma década, os histéricos afirmaram que os balanços expandidos dos bancos centrais são precursores de hiperinflação. Os seguidores de Milton Friedman sabiam que isso estava errado: a expansão do dinheiro do banco central compensava a contração do dinheiro apoiado por crédito. As medidas gerais de oferta de dinheiro cresceram lentamente desde a crise de 2008.

Mas desta vez é realmente diferente. Nos últimos dois meses, a medida US M2, que inclui demanda, poupança e depósitos por períodos de tempo fixos, e a Divisia M4, um índice mais amplo que sopesa componentes por seu papel nas transações, ambas mostram grandes saltos em crescimento. Para um monetarista, como Tim Congdon, a combinação de produção restrita com rápido crescimento monetário anuncia um salto da inflação. Mas é possível que a pandemia tenha reduzido a velocidade da circulação: as pessoas podem segurar esse dinheiro, e não gastá-lo. Mas não se pode ter certeza. Eu não esqueço o aumento da inflação quase universalmente inesperado nos anos 1970. Pode acontecer de novo.

E em longo prazo? Blanchard sugere que provavelmente teremos mais do mesmo: demanda estruturalmente fraca, baixa inflação e taxas de juros ultrabaixas –a situação do Japão há uma geração. A mudança da China para o crescimento mais lento e investimentos mais fracos acrescenta tons cinzentos a essa imagem. Blanchard sugere três motivos pelos quais a inflação poderá surpreender pelo lado bom: aumentos na proporção de dívida pública muito maiores que os 20 a 30 pontos percentuais esperados hoje; um grande salto nas taxas de juros necessário para manter as economias operando perto da produção potencial; e "dominação fiscal", ou a subordinação do banco central às exigências do governo por finanças baratas.

O aumento na proporção das dívidas não pode ser descartado. Mas, na situação atual, os países que parecem mais expostos fiscalmente são o Japão e a Itália. O primeiro não consegue aumentar a inflação há anos. O último está, por enquanto, contido na zona do euro.

Sobre as taxas de juros, Charles Goodhart, da London School of Economics, e o economista empresarial Manoj Pradhan afirmam que haverá enormes mudanças estruturais. O ambiente deflacionário criado pelo aumento das exportações chinesas e a globalização acabou. A pressão dos salários aumentará. Quando o surto de gastos alimentado pela bonança fiscal e monetária transbordar em inflação, será considerada temporária, ou apenas bem-vinda, enquanto o peso real da dívida é erodido.

Entre os beneficiários dessa erosão do peso real da dívida estarão os governos, segundo os autores. Os políticos ficarão furiosos se os bancos centrais aumentarem as taxas de juros acima do crescimento nominal do PIB, e forçarem a contenção fiscal além do necessário para conter os enormes deficits fiscais criados (apropriadamente) pelos programas anticrise. A resistência popular à repetição dos cortes de gastos públicos que ocorreram depois da crise financeira será intensa. Como também será a resistência aos aumentos de impostos necessários para encolher os deficits fiscais enquanto o pleno emprego é restabelecido.

Então os governos provavelmente pedirão finanças baratas ao banco central, provavelmente reforçadas por outras formas de repressão financeira, incluindo controles de capital. Elas serão justificadas como uma expressão desejável de soberania nacional.

Algo disso é inevitável? Certamente não. Os governos sensíveis devem financiar toda a sua dívida pelas taxas ultrabaixas de hoje, com as maturidades mais longas possíveis. Se e quando a economia se recuperar, eles também devem aumentar os impostos para os que podem pagá-los. As mudanças estruturais adversas imaginadas por Goodhart e Pradhan são possíveis. Mas uma maior erosão da posição da força de trabalho, conforme a automação se acelera, e a continuidade do excesso de poupança, enquanto os investimentos atingidos pela crise continuam fracos, parecem ainda mais prováveis. A independência do banco central poderá sobreviver. Muitos ainda o apoiam.

Muitos países que não podem contrair empréstimos em suas próprias moedas certamente entrarão em moratória, com membros da zona do euro em um centro de reabilitação. Além disso, o futuro é incerto.

Sim, a pandemia criou algumas características de uma economia de guerra. As probabilidades de inflação podem ter aumentado. Mas ainda são modestas. Proteja-se disso. Não aposte suas calças.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.