Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Covid-19 agrava tendências econômicas adversas no Reino Unido

Na ausência de uma recuperação milagrosa, finanças públicas irão se deteriorar assim como na crise financeira de 2008

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“O Reino Unido está a caminho de registrar a maior queda em seu Produto Interno Bruto (PIB) em 300 anos”. Este fato, declarado na mais recente análise da posição fiscal do Reino Unido pelo Escritório de Responsabilidade Orçamentária (ORB, na sigla em inglês), tem uma implicação clara, ainda que restem grandes incertezas sobre o impacto da Covid-19.

Na ausência de uma recuperação milagrosa, as finanças públicas uma vez mais se deteriorarão estruturalmente, como aconteceu depois da crise financeira de 12 anos atrás. O chanceler do Erário, Rishi Sunak, está gastando dinheiro sem pensar duas vezes, agora. Quando e como pagaremos?

Dadas as imensas incertezas, o OBR começa com três cenários diferentes. A produção caiu em 23% entre o trimestre final de 2019 e o segundo trimestre deste ano. No cenário mais otimista, ela em seguida voltaria a subir rapidamente e, no segundo trimestre de 2021, retomaria o nível previsto em março. Mas no cenário neutro e no cenário pessimista, a produção continuaria abaixo do nível previsto em março deste ano até o primeiro trimestre de 2025.

As implicações fiscais de um choque como esse são enormes. A captação líquida do setor público subiu do equivalente a 2,6% do PIB no ano passado a 19% este ano —de longe a maior porcentagem já atingida em tempo de paz. Cerca de 40% desse total é explicado pelo impacto do colapso da produção sobre a arrecadação e os gastos, e o restante pelas medidas diretas de apoio para o combate à Covid-19.

No cenário neutro, a projeção é de que a captação cairá sob as políticas atuais, para o equivalente a 7% do PIB em 2021-2022 e para 4,6% do PIB em 2024-2025. Mas no cenário pessimista, a captação líquida requerida ainda seria equivalente a 6,8% do PIB naquele ano.

No cenário neutro, a dívida pública líquida deve saltar de 89% do PIB em 2019-2020 para 104% este ano. Em 2024-2025, ela seria 27 pontos percentuais mais alta do que na projeção feita em março. No cenário pessimista., a relação entre a dívida líquida e o PIB seria 41 pontos percentuais mais alta do que a projeção de março.

No entanto, pelos padrões históricos, o endividamento do setor público do Reino Unido não será particularmente elevado. Depois da Segunda Guerra Mundial, a dívida equivalia a 250% do PIB. Além disso, os custos de serviço da dívida estão muito baixos. Desde que essa dívida seja financiada com vencimentos longos, e aos juros baixos vigentes hoje, a situação deve ser perfeitamente administrável, mesmo que as taxas de juros subam para níveis menos anormais.

Mesmo assim, essa disparada da dívida aumenta as pressões de alta já fortes sobre os gastos e a dívida, em longo prazo. Evidentemente, projeções quanto ao longo prazo não têm valor intrínseco. Os últimos 12 anos nos ensinaram isso. Mas ajudam a clarear o pensamento. Em sua projeção de março, o OBR estimou que, ao longo dos próximos 50 anos, sob as políticas atuais, a dívida líquida subiria para perto de 300% do PIB. Agora, a previsão é uma dívida mais de 100 pontos percentuais mais alta sob o cenário neutro e mais de 200 pontos percentuais mais alta sob o cenário pessimista.

Porque qualquer coisa dessa ordem seria insustentável, não poderá acontecer. Mas a questão é o que impede que aconteça. Quanto a isso há cenários benignos e malignos, com grandes escolhas a fazer no caminho.

O cenário mais benigno seria o inverso do que aconteceu depois da crise financeira de 2008. Em lugar de um imenso e permanente declínio no crescimento da produtividade, haveria aumento. Uma condição necessária para conseguir isso seria evitar um aperto fiscal e monetário prematuro, evitar um choque adverso do brexit, e promover investimento e inovação no setor público e no setor privado. O cenário mais maligno veria não só os níveis de produção mas as taxas de crescimento deprimidos em caráter permanente. Em longo prazo, elevar o crescimento da produtividade é claramente essencial.

É provável que as grandes escolhas sejam fiscais. Sabemos há muito tempo, com base na análise do OBR, que impostos mais altos serão necessários se queremos que as finanças públicas sejam sustentáveis, dada a pressão que o envelhecimento populacional traz. A crise da Covid-19 só torna o ponto de partida muito pior, em termos tanto de dívida quanto de déficits.

Com o tempo, será necessário no mínimo colocar em equilíbrio o orçamento estrutural primário (desconsiderados os pagamentos de juros) e corrente (excluindo o investimento público). Além disso, haverá forte pressão por gastos mais altos, especialmente com saúde, assistência social e nos salários dos funcionários públicos mal pagos. Assim, é provável que a razão entre o gasto público e o PIB suba estruturalmente. Com isso, os impostos também terão de subir.

Isso seria viável. Mas criará uma briga política. De acordo com o FMI, a arrecadação do governo do Reino Unido equivalia a 37% do PIB. Isso fica bem abaixo do Canadá, com 40%, da Holanda, com 44%, e da Alemanha, com 46%. Dada a saída do Reino Unido da União Europeia, o país pode se ver forçado a se aproximar mais das alíquotas de impostos de alguns dos países continentais europeus mais ricos.

E isso seria muito irônico.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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