Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Podemos evitar uma mudança irreversível no clima

Ação é tanto essencial quanto praticável, mas requer cooperação dos líderes internacionais

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Caso Donald Trump tenha seu mandato presidencial renovado, em nenhuma outra área as consequências serão mais graves do que quanto à mudança do clima. As próximas décadas determinarão se a ameaça de mudança irreversível e destrutiva pode ou não ser evitada. Sem engajamento ativo da parte dos Estados Unidos, o sucesso parece inconcebível. Mesmo com eles, a tarefa seria difícil. Mas o que importa é que seria concebível. O que não podemos arcar é com o custo de não fazer o que precisa ser feito. Mas o faremos? Essa é a questão.

É indicativo da mudança de perspectiva na elite política mundial que um capítulo das “Perspectivas da Economia Mundial” que o FMI (Fundo Monetário Internacional) publicou em outubro tenha por foco a “mitigação da mudança no clima” –ou seja, impedi-la–, por meio de “estratégias que favoreçam o crescimento e distribuição”. Em resumo, o FMI insiste em que a humanidade será capaz de guardar seu bolo e também comê-lo: tanto elevar a renda da população quanto ter um clima mais seguro.

Como resultado das concentrações cada vez maiores de gases causadores do efeito-estufa na atmosfera, as temperaturas mundiais já estão cerca de um grau acima da média que existia antes da era industrial. Elas podem subir para 1,5 grau acima da média dentro de uma década, e para dois graus a mais ao final de outra década. Quando isso acontecer, advertem os cientistas que pesquisam sobre o clima, pontos de inflexão perigosos e irreversíveis no clima provavelmente terão sido ultrapassados. A maioria dos governos pelo menos finge concordar. Assim, nos acordos de Paris assinados em dezembro de 2015, eles assumiram o compromisso de manter as temperaturas abaixo desses níveis, mesmo que suas promessas tenham ficado aquém do que seria necessário para atingir a meta acordada.

Como o FMI aponta, “reduções rápidas e consideráveis nas emissões de carbono são necessárias para atingir essa meta; especificamente, o saldo de emissões de gases poluentes precisa ser zerado, até a metade do século”. Para que isso aconteça, as emissões precisam cair acentuadamente nesta década, e continuar caindo depois. Isso representaria uma virada importante ante as tendências anteriores.

Que tipo de programa poderia produzir esse tipo de resultado? A resposta, sugere o Fundo, é uma combinação entre investimentos ecológicos antecipados, financiamento agressivo a pesquisa e desenvolvimento, e um compromisso confiável de longo prazo para com elevar os preços da emissão de poluentes. Isso está em linha com outros estudos, especialmente um relatório da Comissão de Transições de Energia, uma organização mundial, lançado em setembro de 2020. Este último estudo também enfatiza a necessidade de legislação complementar, a fim de acelerar as mudanças de comportamento. Compensação às pessoas mais pobres que saiam perdendo com a alta nos preços do combustível também será necessária.

Será que podemos arcar com o custo de medidas que zerem as emissões de poluentes até 2050? A resposta é: surpreendentemente sim, ainda mais começando do ponto de partida deprimido economicamente que a Covid-19 deixará. O FMI estima que atingir esse objetivo poderia reduzir a geração mundial de poluentes em 1% com relação à sua “linha de base”, caso as políticas não sejam mudadas, se considerarmos os benefícios propiciados pelos danos que evitaremos. Mesmo assim, é preciso colocar isso tudo no contexto do crescimento mundial cumulativo de 120% projetado para os próximos 30 anos. E o cálculo também ignora os benefícios locais de uma grande queda na poluição.

Algumas estimativas indicam que altas de temperatura de até cinco graus, até 2100, na ausência de medidas de mitigação, poderiam reduzir a produção mundial em 25%. Isso não leva em conta o maciço desordenamento não econômico que as vidas humanas, ou melhor, todas as vidas do planeta, sofreriam, diante de uma alteração tão rápida no clima.

Dadas essas estimativas de um custo de curto prazo relativamente modesto para as medidas de mitigação, comparados ao custo muito maior, em longo fracasso, da inação, os argumentos em favor de agir parecem esmagadores. E o serão ainda mais quando considerarmos a escala da incerteza criada pela mudança climática não mitigada, bem como sua irreversibilidade.

Agir poderia fazer sentido mesmo que os custos fossem muitas vezes mais altos do que se calcula agora. Por que isso não está acontecendo, então? Uma explicação é que seria preciso mudar estilos de vida, algo de que não gostamos. Outra é que isso requereria pensar em termos de décadas, o que não parece natural. Mas a explicação mais importante é que agir requereria cooperação em longo prazo, que nós em geral consideramos impossível.

Cooperação entre cinco protagonistas –China, Estados Unidos, União Europeia, Índia e Japão– bastaria para propiciar boa parte do necessário. Infelizmente, isso dificilmente parece provável no momento. Uma mudança da presidência dos Estados Unidos na direção da sanidade seria uma grande ajuda. Sem isso, sanções contra os Estados Unidos poderiam ser necessárias. Mas uma virada mais agressiva do que a planejada no comportamento da China também seria necessária.

Se queremos que as mudanças de política necessárias aconteçam logo, precisaremos de estadistas de alta categoria. Domesticamente, precisamos de programas que compensem os prejudicados mais vulneráveis, o que é um bom motivo para criar um imposto sobre a poluição. Internacionalmente, os líderes precisam cooperar de modo muito mais efetivo do que fizeram até mesmo para o Acordo de Paris Se queremos que eles façam o necessário, os líderes precisam superar dois outros obstáculos à ação sábia: a resistência permanente do setor de combustíveis fósseis; e os fanáticos ecológicos, que argumentam em defesa de uma revolução que derrube o capitalismo e ponha fim ao crescimento –e amanhã mesmo, por favor.

A única esperança realista é ação tecnocrática na solução de problemas, e políticas cooperativas. Estas precisam ser orientadas por um propósito moral, mas não podem se imbuir de fantasias de transformação revolucionária. Bradar que é necessário que nos arrependamos, porque o fim do mundo está chegando, não resolverá essa emergência. A humanidade faz seu melhor quando usa a cabeça. O clima é, em resumo, uma crise de tecnologia e comportamento; só poderá ser corrigido caso os incentivos sejam mudados em todo o sistema.

Como argumentei anteriormente, tudo isso se tornou extremamente urgente. Se desejamos prevenir uma virada perigosa no clima do planeta, precisamos agir de modo mais decisivo do que no passado. Estamos bebendo combustíveis fósseis, no “saloon” da última esperança humana. E chegou a hora de a humanidade optar pela sobriedade.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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