Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Uma luz brilha na sombra projetada pela Covid-19

Depois de uma grave recessão, uma recuperação forte e saudável está próxima

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A Covid-19 foi um choque global devastador. Mas as notícias sobre as vacinas são realmente animadoras. O impacto econômico também não foi tão ruim quanto se temia há cerca de seis meses. Além disso, um homem são e decente assumirá em breve a Presidência dos Estados Unidos. Talvez o mundo saia do pesadelo mais cedo e em melhor condição do que muitos temiam.

Os últimos relatórios da OCDE são menos sombrios sobre o impacto econômico imediato da Covid-19 do que eram em junho. Naquele momento, a organização internacional sediada em Paris estava tão insegura que não ofereceu uma previsão, mas duas, nenhuma das quais era preferível. A mais otimista supunha um "golpe único" do coronavírus; a mais pessimista, um golpe duplo. Afinal, grandes partes do mundo, notadamente os EUA e a Europa Ocidental, experimentaram esse golpe duplo. Mas agora se espera que os resultados econômicos deste ano sejam melhores do que se temia no caso de uma pandemia de golpe único.

Isto não pretende minimizar a gravidade do impacto. O Produto Interno Bruto global ainda tem previsão de encolher 4,2% neste ano, enquanto o PIB dos países membros da OCDE deverá encolher 5,5%. Esta recessão será a pior desde a Depressão. A OCDE adverte que "a economia mediana de mercados avançados e emergentes poderá perder o equivalente a quatro a cinco anos de crescimento da renda real per capita até 2022".

Ampolas da Vacina contra o coronavírus que está sendo desenvolvida pelo instituo Butantan - Pedro Ladeira - 21.out.20/Folhapress

Mas o resultado poderia ser pior. Entre as grandes economias, as que mais surpreenderam neste ano foram os Estados Unidos --com previsão de encolhimento de 3,7%, contra o declínio de 8,5% na previsão de junho no cenário de golpe duplo-- e a China, que tem previsão de expandir-se 1,8% neste ano, surpreendentemente.

De modo inevitável, esses agregados escondem vastas diferenças entre as pessoas. O relatório mostra como os efeitos do choque econômico foram divergentes até na Austrália, onde a pandemia foi bem contida. A crise mal afetou o número de horas trabalhadas por profissionais e gerentes. A situação foi extremamente pior para pessoas em vendas, operários, operadores de máquinas e os trabalhadores em serviços comunitários. O impacto nos mais pobres do mundo foi catastrófico: o Banco Mundial prevê que 88 milhões a 115 milhões de pessoas serão levadas à extrema pobreza neste ano.

O que está pela frente? Além de sua previsão básica, a OCDE examina um cenário positivo, em que a vacina é distribuída logo e a confiança retorna. As taxas de poupança das famílias foram extraordinariamente elevadas neste ano: a taxa no Reino Unido, por exemplo, deverá saltar de 6,5% das rendas disponíveis em 2019 para 19,4% neste ano. Se isso diminuísse rapidamente, a demanda explodiria. No cenário negativo, a confiança continua fraca e os danos em longo prazo à economia são severos. A recuperação é correspondentemente adiada e fraca. Mesmo nesse cenário otimista, a produção global não alcançará os níveis previstos em novembro de 2019 até 2022 --o horizonte da última previsão. De fato, as perdas talvez nunca sejam recuperadas.

A proposição de que os danos econômicos serão duradouros é plausível. Não apenas o investimento sofreu um golpe em curto prazo, como também os trabalhadores e as empresas: os primeiros perderam empregos, muitas das últimas ficaram insolventes. A OCDE pinta uma imagem preocupante da alta proporção de empresas viáveis que sairão com dívidas estressadas e patrimônio líquido negativo. Isso é especialmente real em hotelaria e alimentação, artes e entretenimento e transporte.

O caminho mais importante para restaurar a confiança é distribuir a vacina o mais rápido possível por todo o mundo. Se preciso, as pessoas devem ser pagas para tomá-la. Mas a boa política econômica também será crucial. Parte do que é necessário é evitar erros, como retirar o apoio à política monetária e fiscal prematuramente ou recuar mais no protecionismo. Mas também será crucial fazer coisas: apoiar as pessoas em novos empregos e, não menos importante, lidar com dívidas pendentes.

Como ressalta a OCDE, converter dívida em capital será uma parte importante desse esforço. Um relatório recente do Instituto de Inovação e Propósito Público do University College de Londres recomenda fundos de patrimônio público como parte de uma tentativa de substituir dívida por patrimônio líquido negativo. O esforço para reestruturar a dívida também deve incluir países emergentes e em desenvolvimento. Uma grande parte dessa reestruturação da dívida cairá nos balanços de governos de países de alta renda. Não existe alternativa.

Até agora, o esforço global para administrar o impacto dessa pandemia só pode ser descrito como desigual. Os países do Extremo Oriente se saíram muito melhor que os países ocidentais de alta renda na gestão da pandemia. Os governos com capacidade para fazê-lo geralmente tiveram sucesso em sustentar suas economias. Mas a cooperação internacional foi muito pior que depois da crise financeira de 2008. O esforço para criar vacinas, porém, tem sido um sucesso.

Agora devemos usar esse triunfo para levar esse pesadelo ao fim o mais rápida e globalmente possível. Devemos tomar as medidas necessárias para restabelecer a confiança e trazer as economias --modificadas, sem dúvida, de maneiras importantes-- de volta à vida. Não devemos permitir uma recuperação lenta que deixe cicatrizes profundas e duradouras no tecido econômico, social e político. Os países de alta renda deixaram isso acontecer a si mesmos depois da crise financeira global. Não devem fazê-lo de novo, especialmente quando uma recuperação forte e saudável está ao seu alcance.
Como Oscar Wilde poderia nos dizer, fazer confusão com as consequências de uma crise pode ser considerado um infortúnio; fazê-lo duas vezes pareceria negligência.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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