Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times Brexit

Um acordo para pôr fim às ilusões do brexit

Saída do Reino Unido da UE é equivalente à promessa de Trump de 'tornar a América grande novamente'

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Depois de quatro anos e meio dolorosos, chegamos ao fim do início do brexit. Temos um acordo. É, inevitavelmente, um acordo prejudicial para a economia britânica, comparado a continuar na União Europeia. Mas é muito melhor que a estupidez de nenhum acordo. Acima de tudo, ele mantém um relacionamento funcional com os vizinhos próximos e principais parceiros econômicos do Reino Unido.

Nenhum governo responsável deixaria poucos dias para as empresas se adaptarem às complexidades dessa nova situação. E o faria ainda menos no meio de uma pandemia. Esse continuará sendo um divórcio tolo e desnecessário. Mas a realidade do brexit poderá até trazer alguns benefícios.

A UE já deve ter visto alguns deles. Ela quase certamente teria sido incapaz de aprovar seu fundo de recuperação da pandemia de 750 bilhões de euros (R$ 4,9 trilhões) se o Reino Unido tivesse continuado à mesa. De agora em diante, a UE poderá avançar mais depressa na direção de seus objetivos comuns.

Cartola com a cor da União Europeia e a frase 'por que o brexit?' em protesto em Londres
Cartola com a cor da União Europeia e a frase 'por que o brexit?' em protesto em Londres - Hannah McKay - 24.dez.20/Reuters

Para o Reino Unido, também, o brexit trará o grande benefício de separar a realidade da ilusão.
Algumas ilusões já desapareceram. Os defensores do brexit disseram ao país que seria fácil garantir um excelente acordo de livre comércio com a UE, porque ele tinha "todas as cartas na mão". Na verdade, mostrou-se bem difícil fazer isso, e o Reino Unido teve de fazer duras concessões desde 2016, notadamente sobre o dinheiro que devia à UE, a fronteira irlandesa e as exigências europeias de um "campo de jogo nivelado".

Essas ilusões eram sustentadas por outras. Entre elas estava a ideia de que o Reino Unido e a UE negociariam como "soberanos iguais". Sim, a UE e o Reino Unido são igualmente soberanos. Mas não são igualmente poderosos. A economia britânica é menos de 20% da europeia; 46% das exportações de mercadorias britânicas foram para a UE em 2019, enquanto apenas 15% das exportações europeias (excluindo seu comércio interno) foram para o Reino Unido.

A relação econômica entre a UE e o Reino Unido é mais como a do Canadá com os Estados Unidos. Como indica Jonathan Portes, do King's College, o acordo comercial imposto por Washington ao Canadá e ao México é bastante intrusivo.

Diante desse desequilíbrio, e do fetiche britânico de soberania, o Reino Unido conseguiu um bom acordo. O texto de 1.246 páginas contém rara e insignificante menção ao Tribunal de Justiça Europeu. O acordo detalhado sobre a questão irritante do "campo de jogo nivelado" é simétrico. Mas qualquer ação pela UE de "reequilibrar" suas políticas, em resposta a uma ação do Reino Unido à qual ela tenha objetado com sucesso, terá um impacto muito maior no Reino Unido do que o contrário.

A realidade é assimétrica. Este continuará sendo o caso nas muitas negociações com a UE que virão. Quando se lida com potências estrangeiras, especialmente mais poderosas, "recuperar o controle" é algo teórico.

Mas esse slogan também é ilusório em alguns outros aspectos. Em defesa, educação, habitação, saúde, desenvolvimento regional, investimento público e assistência social, o Reino Unido já tinha amplamente o controle. Mas a população britânica está prestes a perder valiosas oportunidades de fazer negócios ou viver, estudar e trabalhar na UE. Eles não vão "recuperar o controle" de suas vidas, mas perdê-lo.

Mesmo onde o controle será recuperado, em teoria, a realidade poderá chocar os partidários da saída da UE. Considere a imigração. Nos 12 meses que terminaram em junho de 2016 (o mês do referendo), a imigração líquida da UE mais fontes não europeias foi de 355 mil (com a emigração líquida de britânicos ignorada). Nos 12 meses que terminaram em março de 2020, a imigração líquida foi de 374 mil. A imigração líquida da UE despencou de 189 mil para 58 mil. Mas a do resto do mundo –sempre teoricamente sob controle britânico– explodiu, de 166 mil para 316 mil.

O Reino Unido preservou de fato um acesso relativamente favorável (embora marcadamente pior) para as indústrias, em que ele tem uma desvantagem comparativa, enquanto aceitou um tratamento substancialmente pior para serviços, em que tem uma vantagem comparativa. Na verdade, lutou mais duramente pelo controle da pesca, que gera 0,04% do Produto Interno Bruto britânico, do que por serviços, que geram o grosso do PIB.

Johnson prometeu que o país vai "prosperar poderosamente" mesmo sem um acordo. Mas virtualmente todos os economistas concordam que o Reino Unido ficará significativamente mais pobre em longo prazo, mesmo sob esse tipo de acordo, do que se tivesse continuado membro da UE.

Até mesmo a sobrevivência do Reino Unido está em dúvida. A Escócia e a Irlanda do Norte poderão deixar a União, a primeira para aderir à UE, afirmando que também quer "recuperar o controle", e a segunda para se unir à Irlanda e, portanto, também à UE. A Inglaterra poderá então ter uma fronteira com a UE no mar da Irlanda e no rio Tweed.

O brexit é, de muitas maneiras, o equivalente inglês à promessa de Donald Trump de "tornar a América novamente grande". Uma grande diferença é que, ao contrário do tempo de Trump como presidente, o brexit é para sempre. Parece quase certo que prejudicará permanentemente a prosperidade e a influência do Reino Unido. Mas só agora poderemos descobrir. Vamos olhar e aprender.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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