Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

Esperanças e temores da recuperação global

A boa notícia é que o crescimento está se acelerando; a má é que permanecem grandes riscos econômicos, sanitários e sociais

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Financial Times

A recuperação do choque da pandemia chegou. Ela é movida, principalmente, pela aplicação das vacinas, mas também pela melhora em nossa capacidade de combinar atividade econômica com distanciamento social, e o enorme apoio fiscal e monetário —especialmente dos Estados Unidos. Mas é vital não esquecer os perigos que ainda enfrentamos e as lições que ainda devemos aprender. Nada pode ensinar a realidade da interdependência global melhor que uma pandemia. Mas é isso o que aprendemos? Em nosso medo, nos voltamos para dentro mais que para fora.

Não obstante, a notícia da recuperação é boa. A Previsão Econômica interina recém-divulgada pela OCDE mostra uma clara melhora nas perspectivas de crescimento para 2021 e 2022. A produção global está prevista para ser 2,5% maior no último trimestre de 2022 do que se esperava em dezembro passado. O motivo individual mais importante para isso, depois do milagre das vacinas, é o pacote de apoio fiscal de US$ 1,9 trilhão nos Estados Unidos. Isto deverá aumentar o PIB americano em 3,8 pontos percentuais em seu primeiro ano completo. Prevê-se que seus efeitos também transbordarão para o resto do mundo, elevando o PIB da zona do euro em 0,5 ponto percentual, para dar um exemplo.

Mas restam desafios e riscos.

Primeiro, os EUA estão realizando um experimento fiscal e monetário notavelmente ousado. O governo Biden já está falando em outro pacote de gastos de US$ 3 trilhões em infraestrutura, energia limpa e educação. Juntos, esses pacotes representam quase um quarto do PIB americano. Enquanto a probabilidade de um grande aumento de impostos é pequena, grande parte dele será financiada pelo Federal Reserve, o banco central.

Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro, declara que: "Estas são as políticas macroeconômicas e fiscais menos responsáveis que tivemos nos últimos 40 anos". Pelo menos são as mais ousadas. Este governo quer evitar os erros da era Obama. Mas poderia cometer os erros opostos. O desejo de assumir esses riscos é compreensível. Mas se o estímulo se mostrar excessivo os danos poderão ser severos.

Segundo, a distribuição da vacina é desigual e, em relação aos desafios, lenta demais. Até agora, menos de 6 doses foram aplicadas em cada 100 pessoas em todo o mundo. Entre os países grandes, esse índice vai de 45 no Reino Unido e 38 nos Estados Unidos a 13 na União Europeia, 6 no Brasil, 3 na Índia e quase 0 na Nigéria. Se assumirmos que a imunidade de rebanho global exige duas doses da vacina para 75% dos 6 bilhões de adultos do mundo, cerca de 9 bilhões de doses precisam ser aplicadas. Como só cerca de 450 milhões foram dadas até agora, as chances de 9 bilhões de injeções serem administradas até o fim de 2022 parecem pequenas.

Ao mesmo tempo, se o vírus continuar pujante, o risco de surgirem variantes perigosas é alto. Claramente, precisamos cooperar para aumentar o suprimento e a entrega de doses em todo o mundo.

Terceiro, a pandemia teve efeitos drasticamente diferentes entre países. A OCDE agora prevê que a economia americana será ligeiramente maior no quarto trimestre deste ano do que se esperava em novembro de 2019. A economia indiana, em comparação, tem previsão 8% menor. Especialmente sério é o aumento do número de pessoas em extrema pobreza, hoje estimado pelo Banco Mundial entre 119 milhões e 124 milhões.

Quarto, a pandemia afetou pessoas de modo muito diferente em cada país. As vítimas de seus custos sociais e econômicos foram principalmente crianças e jovens adultos, pessoas que não podem trabalhar em casa, geralmente as menos instruídas, as mulheres (especialmente mães de crianças pequenas) e minorias étnicas. Enquanto isso, profissionais capacitados e capitalistas se saíram bem. Essas cicatrizes são profundas e precisam ser curadas.

Quinto, a pandemia acelerou as mudanças em padrões de trabalho e residência. Novas possibilidades se abriram para os que podem trabalhar remotamente. Mas as consequências para outros serão difíceis.

Finalmente, a pandemia acelerou a atual ruptura nas relações entre os Estados Unidos e a China. A hostilidade contra a China parece ser quase a única coisa em que os governos Trump e Biden concordam. Talvez isso devesse acontecer após a ascensão da China. Também é perigoso.

Ao examinarmos esses desafios e riscos, precisamos refletir sobre algo notável que também aprendemos.

Até agora, calcula-se que a Covid-19 matou 2,7 milhões de pessoas em todo o mundo em cerca de 15 meses. Ninguém sabe quantas morreram da gripe espanhola um século atrás. Mas as estimativas são de que o número de fatalidades foi entre 17 milhões e 100 milhões, em menos de dois anos, de uma população global de menos de um quarto da atual. Assim, as mortes até agora são no máximo 4% das da gripe espanhola.

Muitos hoje são capazes de se proteger enquanto continuam trabalhando, de maneiras impossíveis um século atrás. Países de alta renda podem aparar os que perderam o emprego quando suas economias estão parcialmente fechadas. E conseguimos desenvolver vacinas em uma velocidade incrível. Tudo isso são indicadores de um progresso que consideramos garantido com demasiada rapidez. Nossa civilização valoriza a vida. Estamos certo de fazer isso. Acima de tudo, somos capazes disso.

Mas limitamos nosso sucesso com nossas dificuldades para cooperar, mesmo quando os interesses vitais estão ameaçados. A pandemia e o desafio maior da mudança climática nos mostram o quanto dependemos de trabalhar juntos com sucesso em desafios comuns. Mas a realidade continua sendo de profunda divisão, e as suspeitas que decorrem inevitavelmente.

A pandemia não acabará até que acabe em todo lugar. Devemos cooperar para alcançar esse resultado. Precisamos curar as cicatrizes em casa, mas também precisamos curá-las globalmente. Conseguirá nosso mundo dividido alcançar isso? Se falhar, não será porque não temos os meios, mas porque não temos vontade.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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