Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times União Europeia

Boris Johnson venceu o Brexit, mas foi uma vitória de Pirro

Realidades do poder relativo mostram que Reino Unido e União Europeia estão e continuarão longe de ser iguais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ao vencedor, os louros. Boris Johnson venceu o referendo sobre a participação do Reino Unido na União Europeia, cinco anos atrás, e depois conquistou a liderança do Partido Conservador, em julho de 2019; chegou a um acordo com a União Europeia em outubro daquele ano; e obteve uma vitória decisiva na eleição geral de dezembro, sob o sistema britânico de voto distrital.

Ele refez o país. Mas o refez para melhor ou para pior? Ele ampliou as oportunidades para o povo britânico ou as reduziu? Tornou o Reino Unido mais influente e próspero ou menos?

Minha resposta a todas essas perguntas é “a segunda opção”. Mas admito que ainda estamos muito no começo dessa história.

Um ponto que emergiu rapidamente (e que não surpreendeu a qualquer pessoa informada) é que os defensores do Brexit não compreendiam a União Europeia.

Homem branco discursa
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson - Daniel Leal-Olivas - 5.ju.21/AFP

O britânico Anand Menon, em um debate organizado pela iniciativa Changing Europe no King’s College, apontou que Dominic Raab (hoje secretário do Exterior britânico) declarou em abril de 2016 que “podemos ter controle adequado de nossas fronteiras e não precisamos ficar sujeitos a toda essa regulamentação sufocante e certamente não interessa aos europeus erguer barreiras comerciais”.

A União Europeia discorda. Muitas barreiras existem, agora. E elas persistirão.

A razão para esse desfecho previsível foi que os países membros consideram a preservação da ordem legal da União Europeia, o que inclui o mercado unificado, como um interesse dominante. Isso fica claro em “EU-UK 2030”, um estudo publicado pela mesma instituição.

Tome a Dinamarca como exemplo. O Reino Unido é um bom amigo do país, e seu quarto maior parceiro comercial. Mas a Dinamarca faz seis vezes mais negócios com os demais países da União Europeia do que com os britânicos.

O interesse econômico do país torna mais importante preservar o mercado da União Europeia do que acomodar o Reino Unido. O mesmo se aplica aos demais países membros. A União Europeia sempre virá em primeiro lugar, para todos eles.

Como Menon também aponta, sardonicamente, “é curioso que um grupo de puristas ideológicos esperasse que seus interlocutores fossem ideologicamente flexíveis e pragmáticos”. Fica claro que, até agora, o Brexit reforçou a União Europeia, não a enfraqueceu.

Menon aponta que “até mesmo Marine Le Pen não demorou a compreender que o Brexit nada faria para aumentar o apoio a uma saída francesa da União Europeia”. Assim, os membros da união agiram em defesa de seus interesses, como os políticos britânicos deveriam ter esperado.

A posição de Johnson, de que o Reino Unido poderia desfrutar de todos os benefícios da União Europeia sem incorrer em qualquer ônus, era só uma bravata insensata, da mesma forma que a convicção de David Frost, seu principal negociador, de que “a União Europeia deveria deixar de lado qualquer má vontade quanto a nós e em lugar disso construir um relacionamento amistoso entre entidades soberanas e iguais”.

É claro que teria sido mais fácil fazer isso se Johnson não tivesse mentido sobre as implicações de seu acordo para o comércio entre a Irlanda do Norte e o restante do Reino Unido, e se ele não tivesse ousado tentar repudiá-lo. A União Europeia o encara, com razão, como um político indigno de confiança e carente de seriedade.

Quanto à “igualdade soberana”, o Reino Unido e a União Europeia podem ser igualmente soberanos, em termos formais. Mas estão muito longe da igualdade.

A economia britânica equivale a um quinto da economia da União Europeia, e sua dependência do comércio com a união é muito maior do que a dependência no sentido oposto. São essas as realidades do poder relativo. Um homem realista, como lorde Palmerston, primeiro-ministro britânico na era da rainha Vitória, teria compreendido o fato. Por que Frost é incapaz isso?

É inevitável, especialmente se tivermos em mente o desejo aparente do governo britânico por fricção com a União Europeia, que as relações continuem envenenadas pelo futuro previsível. E é também inevitável que o Reino Unido perca mais com isso do que a União Europeia.

E quanto aos resultados econômicos? O Brexit com certeza não foi o único choque a ter atingido a economia nos últimos cinco anos. O outro foi a Covid-19. Mas é perceptível que, entre o segundo trimestre de 2016 e o primeiro trimestre de 2021 a economia britânica encolheu em 4,3%. O desempenho da Itália foi semelhante. Mas a economia da zona do euro cresceu em 1,3% no período.

O Brexit também infligiu um grande choque inicial ao volume de comércio internacional. Uma recuperação aconteceu, desde então, mas o comércio internacional britânico terminará menor do que teria sido de outro modo.

Os efeitos disso se acumularão com o tempo, e se tornarão visíveis em um desempenho econômico pior do que o que teríamos de outro modo. Isso desperta a questão: o que “retomar o controle” terminará por significar?

Não existe dúvida de que o Brexit pôs fim a algumas restrições sobre o governo. Os primeiros-ministros britânicos dotados de grandes maiorias sempre puderam fazer a maior parte do que desejavam, desde que preservassem seu apoio parlamentar.

Agora o governo tampouco precisa se preocupar com as regras da União Europeia. Por isso, o governo (eleito com 44% dos votos dos britânicos) pode agir com ainda mais liberdade do que antes. Essa forma de controle coletivo pode significar muito para muita gente. Mesmo assim, nas diversas áreas em que coordenação internacional é necessária, o Brexit não criou um controle maior sobre as escolhas.

O Reino Unido ainda precisa persuadir outros países. Mas agora lhe falta uma plataforma dentro da União Europeia da qual fazê-lo.

E quanto ao povo britânico? Será que recuperou o controle sobre sua vida? No mínimo, as pessoas que negociam com a União Europeia e as pessoas que desejam trabalhar e estudar lá perderam boa parte do controle que tinham, em lugar de recuperá-lo.

Não temos como saber o que a posteridade pensará. Mas para mim, hoje, as promessas do Brexit parecem em boa parte ilusórias. A saída da União Europeia não vai aumentar o controle, mas sim reduzi-lo, nas áreas em que mais importa para os indivíduos e até mesmo para o público como um todo.

Demagogos astutos transmutaram a infelicidade do público em hostilidade à União Europeia, que era em geral inocente das coisas que as pessoas detestavam, exceto a questão da migração.

As estatísticas britânicas são muito pobres, quanto a isso: o número de cidadãos da União Europeia que buscaram o status de “moradores assentados” do Reino Unido provou ser de 5,3 milhões de pessoas em março de 2021, muito maior do que o esperado. Mas um dado surpreendente é que o influxo de imigrantes do resto do mundo disparou, agora, enquanto o de imigrantes da União Europeia caiu.

Em longo prazo, é provável que o Brexit prejudique o Reino Unido, e talvez o divida, e ao mesmo tempo reforce a solidariedade da União Europeia. Caso isso aconteça, ele será certamente julgado como uma vitória de Pirro.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.