Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times G20 Ásia

G20 deixou de cumprir suas missões

A falta de uma resposta realmente global à pandemia é um mau presságio para a ação comum sobre a mudança climática

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A humanidade se superou. Com sua engenhosidade, esse macaco tribal criou um mundo que seu tribalismo não pode administrar. Intelectualmente, sabemos disso; é o motivo pelo qual criamos instituições como a ONU, o FMI e o G20. Mas não sabemos disso no nosso âmago. No nosso âmago, sabemos que cada tribo está por conta própria e o diabo pega os que ficam para trás. No nosso âmago, achamos que as pessoas que pensam diferente são "globalistas", o que é sinônimo de "traidores".

Nós nos reunimos, erramos e prometemos fazer melhor na próxima vez. Mas então erramos de novo. Não erramos totalmente. Mas erramos nas coisas importantes. Não é bom o suficiente. Sabemos disso. Mas saber não é suficiente.

Essa é a história da reunião no último fim de semana dos ministros da economia e presidentes de bancos centrais do G20 em Veneza, cidade gloriosa que está afundando sob a elevação dos mares. O G20 contém 63% da população mundial e 87% de sua produção (em preços de mercado). Ele inclui os países mais poderosos do mundo, e de todos os continentes. É nossa melhor oportunidade de governança econômica global.

Além disso, o retorno dos Estados Unidos a um governo são fez uma grande diferença. Era impossível alcançar qualquer progresso sobre os desafios globais com um governo tão incompetente e narcisista quanto o de Trump. O intervalo poderá se mostrar breve. Mas o fato de que alguém tão decente e inteligente quanto Janet Yellen representou os EUA na reunião em Veneza é encorajador.

A secretária do Tesouro americano Janet Yellen durante o G20 - Andreas Solaro - 11.jul.2021/AFP

Também possibilitou um avanço. De fato, o comunicado final do G20 oferece uma longa lista de realizações. Em seu resumo, Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, cumprimenta o G20 pelo "acordo histórico" sobre um imposto de renda corporativo mínimo. Ela salienta o reconhecimento pelo G20 do papel da precificação do carbono na reação à mudança climática.

Ela também comenta o excelente relatório do painel independente de alto nível sobre "preparação e reação à pandemia" e o reconhecimento do G20 da necessidade de uma capacidade global aperfeiçoada para reagir a ameaças sanitárias. Ela salienta ainda seu "profundo apreço" ao G20 por seu "apoio a uma nova alocação de SDR (Special Drawing Right, ou Direito Especial de Saque) de US$ 650 bilhões —a maior na história do FMI e uma vacina para o mundo". Se os novos SDRs forem canalizados da maneira certa, poderão ser transformadores para os países mais pobres e mais duramente atingidos.

Além disso, principalmente devido ao sucesso dos cientistas, as vacinas reverteram a maré do desastre da Covid-19 mais depressa do que se esperava. O FMI prevê um crescimento global de 6% neste ano, puxado pelas duas grandes superpotências, China e EUA. Mas, comenta Georgieva, "a divergência entre economias está se intensificando. Essencialmente, o mundo enfrenta uma recuperação em duas pistas". Pior, são os ricos —entre os países e dentro deles— que têm a recuperação econômica mais rápida. Não pela primeira vez, para os que têm é de graça.

Mas, diante das conquistas verdadeiras, por que sou tão crítico? A resposta é que a humanidade enfrenta dois desafios globais: escapar desta pandemia (e futuras); e a mudança climática. Ao lado desses, os acordos sobre taxação corporativa e até os SDRs, embora bem-vindos, simplesmente não são tão importantes. A questão é se conseguiremos cooperar onde é preciso.

Sobre a pandemia, a tarefa é vacinar o mundo inteiro e continuar revacinando, se necessário. Essa é a única maneira de alcançar o controle seguro da Covid-19 e suas muitas variantes. Como Georgieva comenta, o objetivo deveria ser cobrir pelo menos 40% da população de cada país até o final de 2021, e 60% até meados de 2022. Ela também nota que "ao fornecer acesso mais rápido a vacinas para populações de alto risco, mais de meio milhão de vidas poderão ser salvas neste ano. E um retorno normal à atividade em todo lugar poderá acrescentar US$ 9 trilhões à economia global até 2025 —o custo de US$ 50 bilhões desse plano pandêmico empalidece em comparação".

De fato. Mas até agora é a ação que empalidece. A escassez de fundos para o Acelerador de Ferramentas de Acesso à Covid-19 —a parceria global para oferecer tratamento e vacinas— para 2021 era de US$ 16,8 bilhões no final de junho. Isso é 0,1% dos recursos públicos gastos no combate às consequências da Covid-19. Vergonhosamente, o G20 falhou em resolver isso. Hoje parece que as crianças dos países de alta renda serão vacinadas antes da maior parte do resto do mundo. Isso é um crime e uma estupidez.

Mesmo diante dessa ameaça global evidente, em que os custos são enormes e imediatos, parecemos incapazes de agir com a urgência essencial. A incapacidade de cooperar em tal emergência nos faz perguntar se a necessidade altamente prioritária de uma capacidade global enormemente reforçada para identificar e reagir a ameaças de saúde será alcançada.

Diante desse fracasso significativo, é impossível imaginar se faremos muito mais que tocar harpa enquanto o planeta queima. Em relação ao clima, o desafio é mais remoto, as mudanças de comportamento exigidas muito maiores e a cooperação necessária mais difícil. Eu adoraria se a conferência COP26, a se realizar em novembro em Glasgow (Escócia), provasse que estou errado. Também ficaria surpreso. Yellen indicou o fato de que os EUA fornecerão US$ 5,7 bilhões em verbas climáticas anuais aos países em desenvolvimento até 2024. Mas, no contexto da necessidade e do dinheiro que está sendo gasto no país, é um prazo errado.

Gostemos ou não —claramente não gostamos—, nós criamos uma civilização global. Todos fazemos fronteiras uns com os outros e todos afetamos uns aos outros. Talvez queiramos continuar em nosso modo tribal. De fato, olhando para as relações emergentes entre os EUA e a China, é óbvio que sim. Mas não vai dar certo. Vivemos em um mundo globalizado, em um planeta compartilhado. Somos capazes de agir de acordo com as implicações disso? É a maior pergunta do século 21. A resposta, temo eu, é não.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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