Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times inflação

Esperanças e temores para a recuperação global da Covid-19

Conforme as economias saem da pandemia, o trabalho dos bancos centrais é relativamente simples: ajuda menos generosa e mais orientada

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A recuperação do choque da Covid-19 foi mais rápida e mais forte do que se esperava há um ano e meio. Devemos isso a uma grande conquista científica e organizacional: o desenvolvimento e a produção em massa de vacinas eficazes. Uma porcentagem depressivamente grande da humanidade desconfia desse milagre moderno. Mas esse sucesso e a recuperação que ele produziu não são pura felicidade: trazem novas ansiedades e desafios. Essa é a melhor maneira de ler o último Panorama Econômico Mundial e o Relatório sobre a Estabilidade Financeira Global, do FMI (Fundo Monetário Internacional).

A maior preocupação deve ser sobre a própria pandemia. Até setembro de 2021, 58% da população dos países de alta renda estavam totalmente vacinados, contra 36% nas economias emergentes e meros 4% nos países de baixa renda. Mais da metade dos países não estão a caminho de vacinar 40% de suas populações neste ano. O relatório supõe um êxito suficiente no programa de vacinação global para que a Covid-19 esteja controlada até o fim do próximo ano. Mas a vacinação lenta aumenta o risco de que novas variantes frustrem essa esperança.

Fed (Federal Reserve), o Banco Central dos Estados Unidos, em Washington - Liu Jie - 15.jul.2021/Xinhua

A recuperação econômica também traz várias preocupações importantes. De modo geral ela é forte, com a previsão de crescimento econômico global em 5,9% para este ano e 4,9% no próximo. Ambos são quase exatamente o que se esperava em julho. Mesmo assim, o fundo prevê cicatrizes econômicas significativas, com exceção dos Estados Unidos, cuja produção para 2024 está prevista em 2,8 pontos acima do que era em janeiro de 2020.

As maiores cicatrizes serão nas economias emergentes da Ásia (exceto a China), cuja produção hoje está prevista em 9,4 pontos percentuais a menos em 2024 do que a previsão de janeiro de 2020. Para a América Latina, a redução é de 5 pontos percentuais, para o mundo, 2,3 pontos percentuais e para a China, 2,1 pontos percentuais abaixo da previsão anterior. Mas para as economias de alta renda (fora os EUA) está prevista em mero 0,3 ponto percentual.

Em geral, a Covid afetou mais os países mais fracos e as pessoas mais vulneráveis. Isso se dá em parte porque elas foram expostas mais diretamente aos golpes e em parte porque não tiveram a capacidade de amortecê-los, seja pela medicina ou as finanças. Portanto, nas economias de alta renda, emergentes e em desenvolvimento as maiores perdas de empregos foram entre os jovens e os não qualificados. As crianças sofreram a disrupção de aprendizado em todo lugar, mas, novamente, os filhos dos pobres em especial.

Apesar da recuperação, o emprego continua abaixo dos níveis pré-pandemia. Mas as vagas de empregos são altas e as pressões inflacionárias, fortes. Isso vale para a inflação de preços ao consumidor e também para a inflação de base, em menor extensão. Isso se deveu em grande parte ao aumento dos preços das matérias-primas, notadamente petróleo e gás. Há falta de chips semicondutores e de navios nos locais certos. Diante da escala da redução da atividade em 2020, essas disrupções não parecem surpreendentes em uma recuperação tão robusta.

A preocupação, entretanto, é que esse aumento dos preços reduza as rendas reais, ao mesmo tempo tornando-se embutido em expectativas, gerando uma espiral de salários-preços e um período de estagflação. Esse é o pesadelo dos bancos centrais. O FMI está otimista de que a inflação será um breve interlúdio. Ele salienta, em particular, que os mercados de trabalho continuam descontraídos, os salários estruturalmente insensíveis à pressão nos mercados de trabalho e as expectativas de inflação bem ancoradas nos grandes países de alta renda, embora nem tanto nos emergentes e em desenvolvimento.

Mas, como nota o FMI, o futuro é ainda menos previsível que de hábito, com a maioria dos riscos no lado negativo: o surgimento de variantes mais transmissíveis da doença; desencontros persistentes na oferta e demanda e pressões de preços, e portanto normalização mais rápida da política monetária; turbilhão em um setor financeiro superampliado, com ativos excepcionalmente caros em todo lugar que se olhe, como notou o relatório sobre estabilidade financeira global; e um arrocho fiscal ainda mais rápido que o esperado.

Além destas há as maiores preocupações de nossa era: a instabilidade política doméstica; choques climáticos; ciberataques devastadores; crescentes tensões comerciais e tecnológicas; e, pior, uma ruptura das relações entre a China e os EUA e até hostilidades entre eles. Contra tais cavaleiros do apocalipse, o FMI pode convocar apenas dois salvadores: a produção e distribuição mais rápida de vacinas e um aumento sustentado da produtividade.

O que deve ser feito, então? O mais importante agora se tornou o mais difícil: cooperar ativa e efetivamente. Se uma crise tão global quanto a pandemia e um desafio tão global quanto o clima não puderem nos tirar de nossa tola introspecção atual, nada o fará. Os sinais do progresso necessário seriam um esforço acelerado da vacinação global, uma determinação a proteger os mais vulneráveis do impacto da Covid em longo prazo e um acordo ambicioso e verossímil na COP26 em Glasgow.

Por esses critérios, as responsabilidades domésticas dos bancos centrais e ministros das finanças envolvidos com o FMI e o Banco Mundial em suas reuniões anuais nesta semana são relativamente simples. Conforme as economias saem da pandemia, a ajuda pode ser menos generosa e melhor orientada.

Isso significa que deve vir das autoridades fiscais. Os países de alta renda não enfrentam crises fiscais. A austeridade prematura que se seguiu à crise financeira global não deve se repetir. O apoio fiscal deve ser generoso, onde necessário, e o arrocho comedido. Enquanto isso, alguns bancos centrais precisam começar a recuar na política monetária ultrafrouxa de hoje. Esse reequilíbrio das políticas monetárias e fiscais ajudaria a população e a economia, enquanto livraria as finanças do ópio do dinheiro grátis. Nos EUA e no Reino Unido, esta é a hora para fazer isso.

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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