Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Como podemos compartilhar nosso mundo dividido

Cooperação é essencial para que países forneçam os bens públicos globais necessários à humanidade

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A engenhosidade humana gerou uma economia global integrada, armas de destruição em massa e ameaças à biosfera da qual dependemos. No entanto, a natureza humana continua sendo a de um primata instintivamente tribal. Essa contradição está se tornando mais importante que antes, à medida que a interdependência se aprofunda e a rivalidade entre as superpotências cresce.

Isso levanta uma grave pergunta: é possível uma humanidade dividida fornecer os bens públicos globais essenciais? Como Xi Jinping, líder do país com as maiores emissões de gases do efeito estufa, decidiu nem comparecer à COP26 em Glasgow, a resposta não parece animadora.

Os principais bens públicos globais são prosperidade, paz e proteção contra desastres planetários, como mudanças climáticas ou pandemias graves. Esses bens estão interligados: sem paz entre as grandes potências, a prosperidade é, na melhor das hipóteses, frágil; e nem a paz nem a prosperidade durarão em um mundo devastado por catástrofes ambientais.

Os estados existem para fornecer bens públicos e, mesmo assim, muitas vezes não o fazem. Mas não existe um estado global. Em vez disso, os bens públicos globais devem ser fornecidos por acordo entre cerca de 200 países soberanos, especialmente as grandes potências concorrentes. Isso leva a "caronas grátis" e disputas sobre se a planejada divisão de encargos é justa.

Após a Segunda Guerra Mundial, a prosperidade global foi sustentada por uma colcha de retalhos de regras e instituições projetadas e administradas por potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos.

Enquanto isso, a União Soviética optou por ficar fora do novo sistema. As regras que conduzem o comércio foram construídas sobre o princípio mercantilista da reciprocidade. Enquanto isso, após o colapso do regime cambial de Bretton Woods em 1971, as moedas e os fluxos de capital ficaram sem administração. A migração também foi deixada à decisão de cada estado.

Enquanto isso, a paz global foi mantida por um equilíbrio de terror entre as superpotências com armas nucleares e em conflito. Mas isso não impediu guerras por procuração e momentos muito perigosos, notadamente a crise dos mísseis cubanos em 1962.

Finalmente, as ações sobre o meio ambiente global e até mesmo as pandemias foram limitadas e ineficazes, exceto por um grande sucesso, o acordo sobre o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, de 1987. Agora estamos envolvidos em discussões sobre a ameaça da mudança climática há três décadas; as emissões continuaram aumentando o tempo todo.

Infelizmente, nossa capacidade de fornecer bens públicos globais, modesta no passado, provavelmente diminuirá ainda mais à medida que a rivalidade entre os EUA e a China aumentar. É verdade que a China não está promovendo uma ideologia global, como fez a União Soviética. No entanto, a China e os EUA são países muito diferentes: um despotismo centralizado e uma democracia em ruínas. Ao contrário da União Soviética, a China tem uma economia de mercado dinâmica, altamente integrada à economia mundial. Também é fundamental para resolver os desafios ambientais globais. A gestão dos bens públicos globais de prosperidade e proteção do planeta —além da paz, evidentemente— não pode ser feita sem a China.

Então, como isso vai funcionar, não apenas nos próximos anos, mas ao longo do que provavelmente ocorrerá durante muitas décadas, possivelmente gerações? A resposta curta é: com dificuldade. A resposta mais longa é: sendo ambiciosamente pragmático. Precisamos aceitar que compartilhamos nosso planeta e interagimos profundamente uns com os outros e não podemos evitar a cooperação, por mais que possamos não gostar uns dos outros. O que devemos fazer é definir e internalizar os interesses fundamentais que nos unem.

O que isso pode significar na prática?

Quanto à prosperidade, o requisito mais importante é que todos os países, especialmente as superpotências, definam a liberdade de que precisam para proteger a desejada autonomia econômica, política e de segurança, respeitando os compromissos que tornam suas ações previsíveis.

Sobre a paz, o objetivo deve ser a transparência sobre objetivos e capacidades de cada lado, a fim de evitar surpresas militares ou correlatas. Isso exigirá um engajamento profundo entre as instituições militares e civis chinesas e ocidentais, de modo geral.

Sobre a proteção do planeta, um dos desafios mais importantes, é fundamental chegarmos a um consenso sobre como mitigar as ameaças ao clima. O resultado da COP26 fornecerá uma indicação convincente de se isso é possível. Mas uma maior capacidade de gerenciar pandemias também é urgente.
Estamos em um momento decisivo na história.

O antigo sistema econômico dominado pelo Ocidente não se desenvolverá em um sistema global mais ordenado, como alguns esperavam na década de 1990. Enquanto isso, o grande desafio de garantir a paz em uma era nuclear permanece, e o desafio mais recente de proteger a biosfera se torna cada vez mais urgente.

Não devemos abandonar as tentativas de cooperação global. Isso seria uma catástrofe que colocaria em perigo a paz, a prosperidade e o planeta. Devemos nos concentrar, ao contrário, em definir e então tornar viável a cooperação mínima que devemos ter agora para que a humanidade alcance o que todos nós precisamos.

Isso envolverá sentar-se uns com os outros para definir ou renovar: primeiro, instituições e práticas para promover a prosperidade que podem oferecer desenvolvimento econômico, gestão de dívidas e comércio liberal e previsível; em segundo lugar, instituições e práticas para proteger a paz que proporcionem transparência e segurança verossímeis para todos; e, finalmente, instituições e práticas para proteger o planeta que proporcionem uma Terra habitável para nós e outras criaturas.

Nada disso será fácil. No entanto, chegamos a um ponto em que, se não superarmos nossas limitações, a alternativa é a catástrofe. Se quisermos desfrutar da paz, prosperar e proteger nosso planeta, devemos concordar em discordar, embora ainda cooperando.

Não existe uma alternativa razoável.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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