Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times Rússia

Não há boas opções para o Ocidente na Ucrânia

Sanções devem ser fortalecidas, mas podem arruinar a economia da Rússia sem mudar política ou regime do país

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O mal existe. Está no Kremlin, consumido pelo ressentimento e o desejo de poder. Ele marcha sobre um país cujo crime foi sonhar com liberdade e democracia. Como esse mal pode ser derrotado? As sanções econômicas, combinadas com a resistência do povo ucraniano, podem forçar Vladimir Putin a recuar? Ou podem levar à sua derrubada? Alternativamente, ele pode se arriscar a escalar até o uso de armas nucleares?

Sem dúvida, as sanções que o Ocidente usou são poderosas. Putin até as chamou de "semelhantes a um ato de guerra". A Rússia foi em grande parte excluída do sistema financeiro global e mais da metade de suas reservas cambiais se tornaram inúteis. As empresas ocidentais têm medo de continuar se envolvendo com a Rússia, por razões de reputação e prudência.

Neil Shearing, economista-chefe da Capital Economics, prevê uma queda do Produto Interno Bruto de 8% do pico ao fundo, seguida por um longo período de estagnação. O salto na taxa de juros do banco central para 20% será caro por si só. Shearing talvez esteja otimista demais.

Manifestantes em Londres protestam contra guerra na Ucrânia
Manifestantes em Londres protestam contra guerra na Ucrânia - Henry Nicholls - 26.fev.2022/REUTERS

As restrições às exportações de energia são um próximo passo óbvio, como argumenta o governo Biden, contra a oposição alemã. É, no mínimo, inaceitável que os altos preços da energia causados pelos crimes de Putin também os financiem. O economista ucraniano Oleg Ustenko defendeu fortemente esse boicote. Ricardo Hausmann, de Harvard, propõe uma alternativa interessante: um imposto de 90% sobre as exportações de petróleo e gás da Rússia. Como a elasticidade da oferta é baixa, argumenta ele, os custos recairiam sobre os produtores russos, não sobre os consumidores ocidentais, e assim os valores da escassez também seriam transferidos para estes últimos.

Sobre a viabilidade, Hausmann argumenta que, em 2019, 55% das exportações de combustíveis minerais da Rússia foram para a União Europeia, enquanto outros 13% foram para o Japão, Coreia do Sul, Singapura e Turquia. Se todos esses países concordassem em taxar seu petróleo, a Rússia poderia tentar vendê-lo em outro lugar, especialmente para a China. Mas quanto a China aceitaria, dados os desafios logísticos e o risco de algum tipo de retaliação ocidental?

Uma grande pergunta é quão bem o mundo poderia lidar com o ajuste de energia. Uma análise de Bruegel conclui que "deveria ser possível substituir o gás russo já para o próximo inverno sem que a atividade econômica seja devastada, as pessoas congelem ou o fornecimento de eletricidade seja interrompido", embora isso exija um esforço determinado. Com os impostos de importação de Hausmann, os preços do petróleo e do gás no resto do mundo deveriam até cair.

O objetivo das sanções, no entanto, é mudar a política e possivelmente o próprio regime em Moscou. Isso é viável? A experiência sugere que quebrar um regime autocrático disposto a impor enormes custos ao seu povo é difícil: a Venezuela é um fracasso recente. Contra isso, pode-se apontar o fato de que Putin não mobilizou a população russa para uma longa guerra contra a Ucrânia e o Ocidente. Ele até a chamou eufemisticamente de "operação militar especial" contra "neonazistas".

Essas mentiras podem começar a se desfazer. No entanto, como Sergei Guriev, economista de origem russa que leciona na Sciences Po em Paris, observou em um diálogo com Markus Brunnermeier, de Princeton, que Putin está passando de uma ditadura de propaganda para uma de medo. Enquanto seu séquito permanecer leal, ele pode muito bem manter o poder, por pior que seja sua guerra e por mais dolorosas que sejam as sanções.

Sanções amplas desse tipo são uma arma de dois gumes, pois funcionam impondo custos significativos à população comum. Entre os maiores perdedores estarão os aspirantes à classe média. O regime pode achar fácil convencer as vítimas de que seu sofrimento apenas comprova a hostilidade ocidental. Então, sim, alguns russos poderão culpar Putin. Mas, especialmente devido ao controle de Putin sobre a mídia, um grande número pode culpar o Ocidente.

A evidência sobre o desempenho das sanções também é deprimente. Dursun Peksen, da Universidade de Memphis, oferece as seguintes conclusões: visar danos maiores e imediatos à economia-alvo; buscar cooperação internacional; esperar que as autocracias sejam mais resistentes às sanções do que as democracias; esperar que os aliados sejam mais reativos que os inimigos; e, finalmente, esperar que as sanções sejam menos eficazes para alcançar os grandes objetivos do que os modestos.

O Ocidente está em boa forma nos dois primeiros pontos desta lista, embora restrições às exportações de energia possam ser necessárias para o primeiro e cooperação com a China para o segundo. Mas está lidando com um autocrata hostil e também tentando reverter uma guerra que ele considera de vital interesse nacional e pessoal. Os presságios de sucesso não parecem bons.

Também é possível que o apoio bem-sucedido à resistência ucraniana, combinado com sanções que infligem enormes custos aos russos, sem acabar com o regime, possa deixar Putin disposto a assumir riscos ainda mais desesperados. Isso poderá até incluir o uso de armas de destruição em massa contra a Ucrânia ou outros alvos mais a oeste.

Em retrospecto, provavelmente deveria haver menos ambiguidade sobre o apoio ocidental à independência ucraniana. Agora, devemos fazer tudo o que pudermos para apoiar a luta da Ucrânia pela sobrevivência, exceto assumir o que parece ser o risco excessivo e possivelmente inútil de uma injeção direta das forças aéreas da Otan na guerra. Devemos fortalecer as sanções, embora possam arruinar a economia da Rússia sem mudar sua política ou seu regime. Devemos declarar que nossa guerra não é contra o povo russo, embora eles possam não nos perdoar pelos problemas que estamos lhes infligindo.

Deveríamos pedir à China e à Índia que convençam Putin a encerrar sua guerra, embora devamos reconhecer que tal esforço tem grande probabilidade de fracassar.

Só existem más opções. No entanto, a Ucrânia não pode ser abandonada. Devemos continuar.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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