Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times Rússia inflação

Guerra da Ucrânia testa fibra moral e economia da Europa

Governos precisam amortecer impacto sobre custo de vida, mas subsídios para energia não são a resposta

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Como a UE (União Europeia) deve administrar os custos econômicos da guerra de Vladimir Putin? Não é a mesma coisa que minimizar esses custos. Esta é uma guerra da qual dependerá o futuro da Europa, talvez da própria democracia.

Nestes tempos, o objetivo das políticas econômicas é sustentar o esforço de guerra. As políticas devem tentar maximizar os custos para o agressor em relação aos da UE, especialmente os de seus cidadãos mais vulneráveis. Como isso deve ser feito?

Para pensarmos nessa questão, precisamos de um arcabouço analítico. Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI, e Jean Pisani-Ferry apresentam isso em um trabalho recente.

Mulher segura cartaz que traz o desenho de uma mão vermelha cobrindo o rosto de Vladimir Putin, tendo ao lado uma bandeira da Ucrânia em amarelo e azul.
Manifestante participa de protesto contra o presidente russo, Vladimir Putin, em Sófia, capital da Bulgária. - Nikolay DOYCHINOV / AFP

Eles listam três desafios: primeiro, "Qual a melhor maneira de usar sanções para dissuadir a Rússia, enquanto se limitam os efeitos adversos para a economia da UE?"; segundo, como lidar com os cortes nas rendas reais resultantes do aumento do custo das importações de energia?; e terceiro, como administrar o aumento da inflação causado pelos maiores preços de alimentos e energia, o que ocorre por cima do aumento da inflação pós-Covid?

Não é preciso dizer que qualquer dessas análises é provisória. Em tempo de guerra, o futuro é ainda mais incerto que de hábito.

Sobre o impacto das sanções para a Rússia, considere um comentário recente da Rystad Energy: "Apesar dos severos cortes na produção de petróleo esperadas na Rússia este ano, a receita fiscal aumentará significativamente para mais de US$ 180 bilhões (R$ 902,8 bilhões) devido ao aumento dos preços do petróleo... Isto é 45% e 181% a mais do que em 2021 e 2020, respectivamente."

Isso não pretende negar os danos causados pelas sanções: o FMI prevê que a economia russa encolherá 8,5% este ano. Mas significa que os preços mais altos estão mais que compensando as reduções de volumes. Os consumidores estão sofrendo, mas também estão financiando a invasão da Ucrânia. Isso é má política.

O objetivo deve ser pelo menos diminuir a receita que a Rússia obtém com suas exportações, e não aumentá-la. Vários economistas consideraram o que isso pode exigir. Sete pontos surgem de suas análises.

Primeiro, a vulnerabilidade da UE à Rússia, mas também seu poder sobre ela, é maior em gás do que em petróleo, porque o gás depende mais de uma infraestrutura fixa. Isso torna mais difícil a diversificação das vendas pela Rússia (embora também as compras pela UE).

Segundo, a maneira mais eficaz de reduzir a receita para a Rússia não é um embargo, mas um imposto ou tarifa punitivos, o que deveria transferir o "aluguel de energia" de Putin para os consumidores.

Terceiro, impor tarifas produziria uma receita que pode ser usada para ajudar os que sofrem perdas em suas receitas reais neste momento.

Quarto, um imposto aplicado pela UE só às exportações russas alcançaria mais no gás do que no petróleo, por causa da maior dificuldade para diversificar as exportações de gás.

Quinto, as sanções comerciais seriam mais eficazes quanto maior o número de países participantes.

Sexto, poderíamos ampliar as sanções ao petróleo impondo sanções à navegação. Finalmente, os custos dessas medidas para a Rússia seriam um grande múltiplo de seus custos para a UE e seus aliados.

Alcançar um consenso sobre medidas eficazes é difícil, mas crucial. É preciso encontrar uma maneira de transferir mais receita das exportações russas para os países consumidores.

Mas, não importa o que se faça nesse sentido, haverá custos significativos da guerra para os países ricos importadores: maiores gastos em defesa; maiores gastos em infraestrutura energética; assistência aos refugiados; e, enfim, apoio substancial aos países em desenvolvimento duramente atingidos.

Inevitavelmente, a questão política que se destaca será como amortecer o golpe para os consumidores domésticos. Isso deve ser feito através de subsídios à energia, transferências de pagamentos ou controle de preços? Uma grande parte da resposta depende do regime de sanções que for adotado.

Mas o ponto geral é que os subsídios tenderão a equilibrar as sanções ao aumentar o consumo, em vez de reduzi-lo. Seria melhor aumentar as transferências do poder de compra para famílias vulneráveis, deixando-as decidir como gastá-lo.

Controles de preços ao petróleo foram um desastre nos anos 1970. Não vejo um bom motivo por que seriam melhores hoje. Se quisermos limitar os lucros inesperados, seria melhor taxá-los.

Blanchard e Pisani-Ferry também perguntam como as transferências ou outras medidas de gastos seriam financiadas. Como uma guerra é uma emergência de curto prazo, há uma tese forte em favor de empréstimos adicionais dos governos. Além disso, pelas taxas de juros de longo prazo atuais (ainda muito baixas) e aumentos prospectivos do Produto Interno Bruto nominal (reforçados pela inflação), a dívida extra seria acessível.

Isso então levanta a questão da política monetária. O impacto da guerra vai reforçar as pressões ascendentes dos preços, arriscando uma espiral inflacionária de salários e preços, e ao mesmo tempo enfraquecendo a demanda enquanto as rendas reais são esmagadas.

Blanchard e Pisani-Ferry sugerem que esses dois efeitos se neutralizam mutuamente. Nesse caso, afirmam eles, a política monetária deveria continuar no caminho de endurecimento traçado antes da invasão russa.

Mas eles também sugerem que medidas fiscais poderiam ser orientadas para baixar a inflação dos preços, assim reduzindo os riscos de uma espiral de salários e preços. Eles sugerem ainda que tais medidas fiscais poderiam ser inseridas diretamente no processo de discussão salarial. Sou cético. Mas poderia dar certo no norte da Europa.

A conclusão que tiro dessas análises é que a guerra é um choque econômico importante, mas é muito mais um choque político e moral. Um conflito brutal chegou à Europa, de um tipo não visto desde a Segunda Guerra Mundial, e mesmo onde ocorreram algumas de suas piores atrocidades.

Para a Alemanha em particular, é um momento de desafio e oportunidade. O desafio é defender a civilização liberal europeia. A oportunidade é de redenção histórica. A Rússia não pode prevalecer. Isso é o mais importante. Realmente haverá sofrimento. Mas deve ser suportado por uma causa maior.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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