Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Doze proposições sobre o estado do mundo

Os líderes globais enfrentam desafios formidáveis, do vertiginoso progresso tecnológico à tensão geopolítica e as mudanças climáticas

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Como entendemos o mundo? O tempo que passei em Davos na semana passada cristalizou minhas respostas na forma de 12 proposições.

Proposição um: o mundo está ameaçado "pela espada, pela fome e pela pestilência", como alertou Ezequiel: primeiro a Covid, depois a Guerra da Ucrânia e depois a fome, porque as exportações de alimentos, fertilizantes e energia foram interrompidas. Isso nos lembra nossa vulnerabilidade a choques imprevisíveis –infelizmente, não inimagináveis.

Proposição dois: "É a política, estúpido". James Carville, estrategista de campanha de Bill Clinton, disse que é "a economia, estúpido". A primazia da economia não pode mais ser presumida. A nossa é uma era de guerras culturais, políticas de identidade, nacionalismo e rivalidade geopolítica. É também, como resultado, uma era de divisão, interna e entre países.

Homem caminha na sala de conferências antes da reunião anual do Fórum Econômico Mundial 2022, em Davos, Suíça - Zheng Huansong/Xinhua

Proposição três: a tecnologia continua sua marcha transformadora. O choque da Covid trouxe duas surpresas bem-vindas: a capacidade de realizar grande parte de nossas vidas normais online; e a capacidade de desenvolver e produzir vacinas eficazes com uma velocidade incrível, ao mesmo tempo em que não conseguimos fornecê-las de forma igualitária. O mundo também está dividido dessa maneira.

Proposição quatro: as divisões políticas entre as democracias de alta renda, por um lado, e a Rússia e a China, por outro, hoje são profundas. Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, a sobrevivência de um conceito abrangente de "um mundo" parecia pelo menos concebível, embora difícil. Mas as guerras são transformadoras. A oferta da China à Rússia de uma parceria "sem limites" pode ter sido decisiva na decisão de Putin de arriscar a invasão. Sua guerra é um ataque aos principais interesses e valores ocidentais. Ela uniu os Estados Unidos e a Europa, por enquanto. Deve ser decisiva para a atitude da Europa em relação à China: uma potência que apoie tal ataque não pode ser um parceiro confiável. A marcha para o totalitarismo nas duas autocracias também deve ampliar a divisão global.

Proposição cinco: apesar da ascensão da China, o Ocidente, definido como as democracias de alta renda, é extremamente poderoso. Segundo o FMI, esses países ainda responderão por 42% da produção global em paridade de poder de compra e 57% a preços de mercado em 2022, contra 19% da China, em ambos. Eles também emitem todas as moedas de reserva significativas. A China detém mais de US$ 3 trilhões em reservas em moeda estrangeira, enquanto os EUA quase não as têm. O país pode imprimi-las, em vez disso. A capacidade dos EUA e seus aliados de congelar uma grande proporção das reservas monetárias da Rússia mostra o que esse poder significa. No entanto, o poder ocidental não é apenas econômico. Também é militar. Como os alardeados militares da Rússia teriam se saído contra os da Otan?

Proposição seis: mas o Ocidente também está profundamente dividido, dentro dos países e entre eles. Muitos de seus políticos eram apoiadores entusiásticos de Putin: Marine Le Pen era um deles. Na Europa, Viktor Orbán é o sobrevivente mais vocal desta trupe. Nos EUA, o autoritarismo xenófobo –"orbanismo"– continua sendo um conjunto de ideias de liderança de direita. O ataque de Donald Trump à característica fundamental da democracia –a transferência de poder por meio de votação justa– também está muito vivo. Muitas dessas pessoas veem a autocracia nacionalista de Putin como um modelo. Se elas voltarem ao poder, a unidade ocidental entrará em colapso.

Proposta sete: em longo prazo, a Ásia provavelmente se tornará a região econômica dominante do mundo. Os países emergentes do leste, sudeste e sul da Ásia contêm a metade da população mundial, contra 16% de todos os países de alta renda juntos. Segundo o FMI, o produto real médio per capita dessas economias asiáticas saltará de 9% do dos países de alta renda em 2000 para 23% em 2022, principalmente, mas não apenas, por causa da China. É provável que esse aumento continue.

Proposição oito: as democracias de alta renda terão que melhorar seu jogo político se quiserem convencer os países emergentes e em desenvolvimento a aliar-se a eles contra a China e a Rússia. Poucos países gostam dessas autocracias. Mas o Ocidente perdeu muito apoio com suas guerras fracassadas e ajuda inadequada, principalmente durante a Covid. A maioria dos países emergentes e em desenvolvimento se esforçará para manter boas relações com ambos os lados.

Proposta nove: a cooperação global continua sendo essencial. Por mais profundas que as brechas se tornem, compartilhamos este planeta. Ainda precisamos evitar guerras cataclísmicas, o colapso econômico e, acima de tudo, a destruição do meio ambiente. Nada disso é provável sem pelo menos um nível mínimo de cooperação. No entanto, isso é provável? Não.

Proposição dez: Os rumores da morte da globalização são exagerados. Os americanos tendem a pensar que sua perspectiva é a norma global. Frequentemente não é, como nisto. A maioria dos países sabe que o comércio extensivo não é um luxo, mas uma necessidade. Sem isso, eles seriam miseravelmente empobrecidos. A perspectiva mais provável é que o comércio se torne menos americano, menos ocidental e menos dominado pelas manufaturas. O comércio de serviços provavelmente explodirá, no entanto, impulsionado pela interação on-line transfronteiriça e pela inteligência artificial.

Proposição onze: dados os imensos desafios políticos e organizacionais, as chances de a humanidade evitar as mudanças climáticas prejudiciais são pequenas. As emissões caíram em 2020 por causa da Covid. Mas a curva permanece inflexível.

Proposição doze: a inflação foi desencadeada de uma forma que não se via há quatro décadas. É uma questão em aberto se os bancos centrais manterão sua credibilidade. A alta inflação e a queda da renda real são uma combinação politicamente nociva. Haverá revolta.

Nós, no Ocidente, temos que administrar mudanças profundas e conflitos letais em um momento de divisão e desilusão. Nossos líderes têm que estar à altura da ocasião. Eles farão isso? Só podemos esperar que sim.

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