Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

É dever do Ocidente ajudar a Ucrânia a vencer esta guerra

Apoiar Kiev sairá menos caro em longo prazo do que permitir que Putin prevaleça

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Financial Times

A Ucrânia sobreviveu ao ataque de seu inimigo brutal. Ela humilhou o exército russo e recuperou muito território perdido. São grandes conquistas. Mas a guerra não acabou. Em 10 de outubro, a Rússia iniciou uma nova fase, com a destruição da infraestrutura civil. Seu objetivo agora é quebrar a força de vontade do povo ucraniano. Isso também deve falhar.

Estão em jogo os princípios da vida europeia do pós-guerra: as fronteiras não podem ser alteradas à força, e os cidadãos não podem ser impedidos de escolher quem os governa. Além disso, se a Rússia vencesse, ficaria na fronteira leste da Europa o domínio de um tirano revanchista. Se a Ucrânia vencesse, seria um poderoso baluarte contra a Rússia. Esta guerra, então, é existencial –não apenas para a Ucrânia, mas também para a Europa.

Homem examina restos de projéteis e mísseis usados ​​pelo exército russo para atacar a segunda maior cidade ucraniana - Aleksey Filippov - 7.dez.2022/AFP

O Ocidente precisa garantir que a Ucrânia sobreviva e progrida como nação próspera e democrática. Isso é não apenas uma necessidade moral, mas também de seu interesse. Há muito tempo existe preocupação com a corrupção no país. Mas a forma como a Ucrânia se mobilizou para lutar nesta guerra mostra que esse não é o país que vemos hoje. Um estado oligárquico corrupto não se organiza e luta como esse. A Ucrânia merece o benefício da dúvida. Ela foi refeita na guerra. Certamente será refeita na paz também.

No entanto, a Ucrânia não pode vencer sozinha. Necessita de equipamento militar, ajuda na reparação de infraestruturas vitais e, não menos importante, apoio orçamentário. Também precisa de pressão contínua de sanções sobre a economia e o poderio militar russos. Necessitará também de grande ajuda na reconstrução, ao buscar uma vida no seio da família europeia, uma vida conquistada pelas lutas do seu povo e que trará enormes benefícios para a Europa.

O dano foi extraordinário. A economia da Ucrânia encolheu cerca de um terço este ano, com um impacto inevitavelmente grande nas receitas fiscais. Em um relatório publicado em outubro, o FMI assinala que cerca de um quinto da população emigrou, com um número parecido de deslocados internos. O país enfrenta hoje enormes despesas para lutar a guerra e reparar os danos. Tudo isso devastou as finanças públicas. Enquanto a guerra continuar, os custos também continuarão. Em última análise, haverá uma enorme conta de reconstrução.

O ministério das finanças fez um trabalho mais do que louvável na gestão da situação fiscal. No entanto, teve de contar com o financiamento monetário do déficit fiscal, as reservas em moeda estrangeira estão próximas de zero e a inflação no ano até dezembro será de cerca de 30%.

O FMI estima que, se tudo correr bem, o país precisará de US$ 40 bilhões (R$ 208,8 bilhões) em apoio fiscal externo no próximo ano, mais US$ 8 bilhões (R$ 41,8 bilhões) para reparos de infraestrutura. Se tudo correr mal, serão necessários cerca de US$ 9 bilhões (R$ 47 bilhões) a mais. Espera-se que a União Europeia comprometa 18 bilhões (R$ 98,7 bilhões) de euros em apoio fiscal para o próximo ano. O governo dos EUA pediu ao Congresso US$ 14,5 bilhões (R$ 75,7 bilhões) até setembro de 2023, com expectativa de mais para o balanço de 2023. Os países membros da UE, além de outros (Japão e Reino Unido, por exemplo), e instituições financeiras internacionais devem doar mais. Ainda assim, o apoio orçamental externo só será suficiente se tudo correr bem. É evidente que as coisas poderiam ser muito piores se os russos conseguissem infligir muito mais danos à economia do que já fizeram.

A UE também quer condicionalidade, para garantir a estabilidade macroeconômica, a boa governança, o Estado de direito e a reforma do setor energético. É questionável se tal condicionalidade faz sentido em uma guerra de sobrevivência até então bem-sucedida. Em todo caso, em parte por esta razão, a UE também quer um programa do FMI, tanto como catalisador de reformas como de dinheiro. Enquanto isso, o fundo se sente constrangido por seus artigos de acordo, que exigem um programa que garanta a sustentabilidade do balanço de pagamentos, bem como garantias de que o dinheiro será devolvido. Nessa guerra, nenhum dos dois é certeza.

Podem-se imaginar três maneiras de sair desse impasse: uma é que as partes interessadas ocidentais garantam o FMI contra perdas; a segunda é que o FMI seja mais criativo e empreste de qualquer maneira; a última é que o imprimatur do FMI venha apenas de seus programas de emergência e do que chama de "Monitoramento do Programa com Envolvimento do Conselho".

É correto pensar também na Ucrânia do pós-guerra: as necessidades de reconstrução e, não menos importante, seu financiamento (em parte talvez de ativos russos confiscados); e a construção de um país e economia europeus mais modernos. Mas a condição necessária para tanto é a continuidade da independência e a vitória final na guerra. Isso exigirá uma enorme quantidade de assistência, com maior oferta (e, portanto, produção) de armas, assistência fiscal suficiente e confiável e um fluxo do equipamento necessário para reparar a infraestrutura que Vladimir Putin continuará a destruir, porque isso é tudo o que ele pode fazer.

Em última análise, a guerra é uma questão de recursos e motivação. Isso a Ucrânia tem: é menor que a Rússia, mas demonstrou uma motivação muito maior; e seus aliados têm os recursos. Os produtos internos brutos combinados dos EUA, UE, Reino Unido e Canadá são cerca de 22 vezes maiores que os da Rússia. Mesmo o apoio fiscal de US$ 60 bilhões (R$ 313,2 bilhões) no próximo ano custaria apenas 0,1% das receitas combinadas dos aliados.

Quem poderia argumentar que isso é inacessível? Não é muito mais inacessível deixar Putin triunfar? Sim, é doloroso sofrer o choque energético desta guerra. Mas é dever do Ocidente lidar com isso. São a Ucrânia e os ucranianos que carregam o peso do conflito. Nós, no confortável Ocidente, devemos dar a eles os recursos de que precisam. Somente quando Putin souber que não o deixarão vencer é que a guerra finalmente terminará.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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