Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Rio, a nova Mogadíscio

Ver o exército nas ruas é aspiração partilhada por populações assoladas pela violência

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No premiado livro "The Mayor of Mogadishu", o jornalista Andrew Harding conta a história do eterno otimista Mohamud Tarzan Nur, o prefeito de Mogadíscio entre 2010 e 2014, que se desdobrou em mil direções para reabilitar aos olhos do mundo a sua cidade e o seu país, a Somália.

Ao decretar a intervenção federal na segurança, o presidente Temer faz exatamente o contrário: lança um estigma sobre o Rio de Janeiro, fortemente abalado pelos escândalos da Copa, Olimpíada, e do pré-sal. E enterra, de quebra, a sua efêmera tentativa de reabilitar o Brasil no palco internacional.

Ver o exército nas ruas é uma aspiração partilhada por populações assoladas pelas diferentes formas de violência urbana da Suécia ao Paquistão, competindo aos governantes terem a sobriedade de resistir à tentação de satisfazê-la, ou a temeridade de experimentá-la.

No México, o balanço do apoio do exercito à polícia na luta contra o narcotráfico é calamitoso. Extenuadas, as forças armadas reclamam ter tido a sua missão desvirtuada. Humilhada, a polícia se encontra em situação de debandada. Desorientada, a população pondera virar a mesa e alçar um populista à presidência. Desde 2006, o país vem colecionando condenações por parte das organizações internacionais.

Seguindo um caminho alternativo, a Ucrânia, uma trincheira europeia tumultuada por rebeldes pró-russos, usou a reforma policial para ganhar prestígio internacional. Com o apoio dos EUA, do Japão e do Canadá, uma nova geração de policiais, bem remunerados, fardados e treinados, composta por um quarto de mulheres, tornou-se o símbolo do Estado ucraniano reerguido depois da revolução de 2013.

Na França traumatizada pelos atentados, Emmanuel  Macron, que, em menos de um ano, reinventou a narrativa sobre o seu país, resistiu aos apelos à militarização das periferias das grandes cidades, tidas como principais viveiros de extremistas, e implementou políticas públicas verticais, que vão desde a criação de uma "task force" antiterrorista dirigida pelo gabinete presidencial à criação de forças de policiamento local.

A despeito da tensão ambiente, o governo teve o sangue frio de preparar uma estratégia coerente e estruturada, sensivelmente diferente do "triplo salto sem rede" descrito por Rodrigo Maia.

A abordagem da França marcha no sentido do que se faz de melhor na luta contra a violência urbana. No altamente militarizado Estados Unidos, um outro patamar de civilidade foi alcançado em decorrência de uma miríade de iniciativas, algumas implementadas pelos republicanos, inclusive as medidas de "tolerância zero" de Giuliani, e outras pelos democratas.

Em cidades como Nova York, os brutamontes retratados nos filmes de Scorsese deram lugar às madames de "Sex  and  the  City" em menos de duas décadas.

O Rio precisa de liderança criativa e entusiasta, de continuidade institucional, e de imparcialidade tecnocrática. E não de um presidente deslegitimado, de um governador descalço e de um prefeito evanescente que reforçam os clichês que temos da cidade.

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