Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

A execução trágica e brutal da jovem, negra e combativa vereadora Marielle Franco teve, num curto espaço de tempo, consequências mais significativas para as relações internacionais brasileiras do que o controverso impeachment de Dilma Rousseff e a condenação do ex-presidente Lula.

Desta vez, a reação dos atores internacionais deixou de espelhar a polarização vigente no debate brasileiro: surpreendentemente, movimentos conservadores apoiaram as denúncias lançadas por organismos nacionais e transnacionais.

Em Portugal, por exemplo, o reacionário CDS, conhecido pela sua oposição à ampliação dos direitos LGBT, aprovou, depois de protestos dos seus militantes, o voto de pesar e condenação, seguido de um minuto de silêncio, do assassinato de Marielle no Parlamento. 

O impacto econômico da repercussão internacional surpreendeu pela sua magnitude e velocidade. Numa carta assinada pela chanceler europeia, Federica Mogherini, deputados europeus pediram a suspensão imediata das negociações entre a União Europeia e o Mercosul como forma de protesto.

Uma nova frente econômica ainda mais preocupante pode ser aberta em breve nos Estados Unidos, onde o Black Lives Matter, que defende os afro-americanos contra a letalidade policial, abraçou a causa de Marielle. O movimento, que conta com o apoio de poderosos senadores e futuros presidenciáveis como a estrela ascendente democrata Kamala Harris, tem como pesar nas decisões do Congresso sobre temas polêmicos como a negociação de novas tarifas comerciais. É certo que o Brasil chegará a Buenos Aires para o G20 mais desmoralizado e suspeito do que nunca. 

Depois da execução de Marielle, o governo Temer provavelmente esperava que o Brasil seguisse o caminho do México, onde a intervenção do Exército na luta contra o crime organizado e a subsequente explosão do número de homicídios não travaram a retomada da economia.

Com efeito, esse e outros casos desmentem a correlação entre aumento da violência e queda do crescimento econômico. Que o digam as Filipinas, que têm um crescimento de mais de 6% ao ano a despeito da sangrenta campanha antidrogas do presidente Duterte.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan - Kayhan Ozer/AP

A julgar pelos primeiros tempos pós-intervenção federal, o Brasil avança para um cenário oposto, semelhante ao da Turquia. As origens da crise entre o regime de Recep Tayyip Erdogan e os seus parceiros ocidentais são mais diversas e graves do que no caso brasileiro, certamente. Por outro lado, a repercussão negativa dos assassinatos políticos, da intimidação da justiça, do recurso aos militares e da censura nas universidades teve, sem dúvida, um papel agravante decisivo. 

Face ao colapso do investimento ocidental e ao êxodo de multinacionais, o governo turco foi obrigado a se aproximar, a custo de enormes concessões, de países conhecidos pela sua indiferença às questões de direitos humanos. Se insistir em seguir o exemplo turco, o Brasil tem mais chances de terminar como uma fazenda da China do que como um país-membro da OCDE.

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