Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

De Cambridge a São Paulo

Eleição estadual ajudará a mostrar se influência digital nas campanhas é tendência ou ilusão

O vice-governador de São Paulo, Márcio França, abraça o prefeito da capital, João Doria, antes da eleição municipal de 2016; dois anos depois, são concorrentes ao governo do estado
O vice-governador de São Paulo, Márcio França, abraça o prefeito da capital, João Doria, antes da eleição municipal de 2016; dois anos depois, são concorrentes ao governo do estado - Jorge Araújo - 13.jun.2016/Folhapress

O escândalo em torno da empresa Cambridge Analytica remonta à entrada do Facebook na seara da propaganda política em 2012, quando os informáticos convertidos em marqueteiros da equipe de Barack Obama adaptaram a tecnologia de publicidade dirigida do comércio para a campanha eleitoral com retumbante sucesso. No entanto, as eleições presidenciais de 2016 mostraram que as redes sociais estavam longe de ser uma panaceia.

A equipe de Hillary Clinton confiava cegamente no seu poderoso algoritmo, tal como os astronautas da Odisseia no Espaço seguiam o supercomputador Hal. A previsão, como sabemos, era uma quimera.

Pesquisas mais recentes sobre as campanhas eleitorais na era digital indicam a resiliência dos meios tradicionais. Os jornais, canais de televisão, e estações de rádio locais, por exemplo, tiveram uma influência extraordinária na virada do eleitorado rural, mais velho e conservador, a favor de Donald Trump.

Na Europa, movimentos de todo o espectro ideológico prosperaram ocupando o vazio deixado pelos grandes partidos, que caíram na ilusão de pensar que a interação virtual substituiria o corpo-a-corpo.

Não por acaso, Emmanuel Macron triunfou contra duas poderosas máquinas partidárias apostando em ações de porta a porta organizadas por militantes voluntários recrutados pelas redes sociais. A campanha eleitoral do século 21 funciona quando os recursos virtuais são colocados ao serviço do real, e não o contrário.

Tendo em conta essas informações, é muito provável que o impacto da Cambridge Analytica, mais conhecida pela sua propensão a recorrer a ameaças e intimidações do que pela sua mestria da alta tecnologia, esteja sendo amplamente exagerado pelos seus próprios funcionários-delatores, que parecem dispostos a falar tudo o que o público quer ouvir para livrarem a cara.

Como narrado no livro "Fogo e Fúria", a equipe de Trump se destacava pelo seu amadorismo inédito, com colaboradores lunáticos e descartáveis, uma estrategista-em-chefe oriunda do mundo da moda, e um candidato com o fígado no lugar do cérebro.

Tudo indica que a explicação para a vitória está na ousadia e intuição característica dos charlatões, e não numa estratégia baseada em complexas operações informáticas.

Em todo caso, o estrago provocado pelo escândalo da Cambridge Analytica ultrapassa o debate sobre a veracidade dos fatos. Mais cedo do que tarde, o Facebook será obrigado a regular, ou até interditar, a propaganda política.

Para aqueles que depositaram todas as suas fichas nas redes sociais como o prefeito João Doria, o próximo desafio eleitoral será inteiramente novo. Desprovido do seu principal instrumento de campanha, Doria terá de enfrentar Márcio França, ilustre desconhecido no Facebook, mas profundo conhecedor da micropolítica do estado de São Paulo.

O resultado desse embate entre um "candidato virtual" por excelência e um "candidato real" puro-sangue nos ajudará a entender se a influência da revolução digital nas campanhas eleitorais é uma tendência estruturante, ou uma breve ilusão de ótica.

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