Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Baixo-astral em Moscou

Putin torce para atravessar a Copa sem grandes sobressaltos

O presidente russo, Vladimir Putin, inspeciona estádio em Moscou que será usado na Copa do Mundo
O presidente russo, Vladimir Putin, inspeciona estádio em Moscou que será usado na Copa do Mundo - Alexei Druzhinin - 9.set.2017/Kremlin/Reuters

Brasil e Rússia eram países inteiramente diferentes quando ganharam a eleição da sede do maior evento esportivo mundial. Em 2007, o PIB crescia 6,1%, Lula atingia aprovação histórica, e o Brasil se preparava para decolar na capa da Economist. A Rússia, em 2010, tinha emergido definitivamente do caos da transição da era soviética. Aplaudido por 79% da população, Vladimir Putin inspirava respeito na Europa

Os dois países pareciam seguir o caminho da China, que confirmou o seu novo status com a espetacular Olimpíada de 2008.

Malditas Copas. As aventuras militares na Ucrânia e na Síria, a acusação de envolvimento nas eleições americanas e a destruição de um avião comercial conferiram à Rússia a reputação de vândalo da política internacional. 

Com o mundo lhe virando as costas, o governo Putin está torcendo para atravessar a competição sem grandes sobressaltos. Em 2014, o cambaleante governo Dilma, ainda escaldado pelos protestos de 2013, esperava pouco mais de popularidade em razão da Copa.

A crise de identidade do futebol mundial também ajuda a entender o baixo-astral em Moscou. O escândalo deflagrado em 2015 deixou claro que aquela conversa de “padrão Fifa” era brincadeirinha. 

Jerôme Valcke, o dirigente que queria dar um “chute no traseiro” do Brasil, está banido por suposto envolvimento em desvios. O seu chefe, Joseph Blatter, virou uma espécie de Eduardo Cunha suíço.

De megaevento de prestígio, a Copa passou a ser vista como uma comunhão de picaretas. 

A comunidade internacional, que se exasperou com as travessuras da organização brasileira, reage com indiferença às artimanhas russas. 

Pode atirar a primeira garrafa de vodca aquele que tiver visto alguém se emocionar com o custo exorbitante dos estádios, a ligação entre os seus empreiteiros e o Kremlin, ou a pertinência de erguer esses futuros elefantes brancos em cidades como Volgogrado, uma das mais pobres do país.

A louvável exceção é a comunidade LGBT, que tem aproveitado a competição para denunciar o governo russo, responsável por elevar a homofobia a política de Estado, por meio de uma medieval “lei de propaganda” contra homossexuais. 

Porém, os governos ocidentais evitaram usar a Copa para denunciar a perseguição na Rússia, limitando-se a alertar seus cidadãos para evitarem gestos de afeto durante as deslocações no país. Tímida e defensiva, essa reação é reveladora do silêncio das democracias liberais diante da escalada autoritária global.

A principal diferença entre Brasil e Rússia estará na forma como o público dos estádios tratará o chefe de Estado. Os torcedores que ousarem criticar Putin serão perseguidos. Todo o contrário do Brasil, onde alguns aproveitaram a liberdade da expressão para insultar Dilma com palavrões infames e machistas. 

Quando assistirem à abertura da Copa, os mais radicais protagonistas deste momento imprestável deveriam ter em mente que, se tudo der errado na eleição deste ano, eles estarão sujeitos ao mesmo tratamento que os russos.

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