Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Brasileiros na fronteira

Reféns de Trump, famílias divididas são abandonadas por Congresso do Brasil

Seis pessoas, quatro adultos e duas crianças, fazem fila. Da esquerda para a direita, há um homem de calça cáqui e camisa verde água, outro de calça jeans azul escura e camisa preta, um menino que segura um envelope que está na mão de um homem e, atrás deles, uma menina de camiseta rosa e calça cinza que está ao lado de uma mulher, que também segura um envelope.
Imigrantes fazem fila para entrar em um terminal de ônibus depois de serem libertados pelo Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras em McAllen, no Texas - David J. Phillip/Associated Press

Aproximadamente 1.500 brasileiros são detidos por tentar atravessar a fronteira entre o México e os EUA sem documentação anualmente. Quase todos se dirigem para a região de Boston, onde reside uma comunidade fundada por imigrantes do interior de Minas Gerais nos anos 1960.

Os brasileiros compõem uma pequena proporção do total de 300 mil migrantes apreendidos na fronteira durante o ano passado.

Até 2000, a maioria absoluta dos migrantes era mexicana. Com a queda de natalidade, a estabilização da economia, e o aumento da segurança na fronteira, eles deram lugar a pessoas vindas de países da América Central —Guatemala, Honduras e El Salvador— que agora representam 50% do total.

Essa mudança demográfica levou a um aumento da proporção de imigrantes em situação de grande fragilidade. Mulheres e crianças, vítimas da violência epidêmica das gangues e das condições dramáticas em meio rural, contam como metade dos migrantes da América Central.

Aqueles ligados ao crime, que o presidente americano, Donald Trump, acusa de trazer "morte e destruição", não ultrapassam 1% do total.

Desnecessário dizer que essas famílias fazem tudo para evitar a travessia da fronteira. Migrantes são extorquidos, assaltados, estuprados, sequestrados e assassinados na mais completa impunidade. Um tormento que o presidente Trump comparou a "caminhar pelo Central Park".

Por essa razão, as famílias preferem se apresentar nos postos de fronteira, esperar por uma patrulha americana, e solicitar asilo. Depois de serem submetidas a um interrogatório, elas aguardam em liberdade por uma audiência, que pode demorar mais de dois anos para acontecer.

A política de separação das famílias adotada pelo governo Trump visava justamente dissuadir essas famílias, que representam uma proporção cada vez maior dos migrantes que chegam na fronteira, de iniciar o processo de asilo.

Ela também tinha, claro, uma finalidade política: atiçar o eleitorado sectário e racista às vésperas de uma eleição chave e pressionar a oposição a financiar construção de um muro na fronteira com o México, sonho de consumo do magnata do imobiliário.

A "lepra nacionalista", expressão usada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, avança a passos largos.

Cerca de 50 crianças brasileiras de 5 a 17 anos que entraram ilegalmente se encontram detidas em centros de acolhimento dos EUA. O Itamaraty tem lutado, dentro das suas limitações, para garantir os direitos delas em solo americano. Reféns de um governo sádico e separadas dos pais, as crianças também foram abandonadas pelo Congresso brasileiro.

Marco Feliciano e outros deputados conhecidos por serem fervorosos defensores da família e da pátria sabotaram a aprovação de uma moção de censura contra a política migratória de Trump.

Decisão incompreensível, tendo em conta que todas as lideranças globais já tinham manifestado o seu repúdio, do papa Francisco ao secretário-geral da ONU, António Guterres.

Os nacionalistas de araque brasileiros fraquejaram na hora de atravessar a fronteira americana.

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