Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Brasil deve sair da zona de conforto e voltar a investir na África

É aberrante a involução da presença do país no continente nos últimos anos

Diplomatas desmotivados, embaixadas descuradas, investimentos em infraestrutura abandonados, e programas de cooperação descontinuados. É aberrante a involução da presença do Brasil na África, até poucos anos atrás uma das facetas mais visíveis das suas relações internacionais.

As fragilidades da política africana —a dependência nos recursos naturais, as alianças com regimes duvidosos, a subordinação às empreiteiras— foram discutidas exaustivamente. Pouco foi dito, contudo, sobre a melhor forma de relançá-la.

O próximo presidente deve começar por levar os diplomatas para longe da zona de conforto da África de língua portuguesa e aumentar a presença brasileira nas locomotivas do continente por meio de um projeto de cooperação verdadeiramente bilateral.

Nos últimos dois anos, o investimento em capital de risco na África praticamente dobrou, e Lagos, a megalópole da Nigéria, tornou-se um laboratório de inovação tecnológica.

O sistema financeiro do Quênia, transformado pelo serviço de transferência bancária M-Pesa, é considerado um dos mais desafiadores do Sul global. Em aliança com a China, a Etiópia acelerou a sua industrialização e cresce 8% ao ano. O Brasil tem muito a aprender e a oferecer a esses países.

A qualificação da cooperação passa por uma reorganização institucional da política africana.

A Agência Brasileira de Cooperação não precisa somente de créditos, mas sobretudo de mais autonomia operacional em relação ao Itamaraty. Os outros ministérios devem apoiar a agência destacando especialistas para identificar, elaborar e monitorar programas de transferência de políticas públicas.

Outro elemento essencial é a desconcentração do acesso ao BNDES.

É normal apoiar as atividades das empresas em países em desenvolvimento, mas o quase monopólio do financiamento público para a África pelas empreiteiras é uma anomalia inadmissível. Na nova politica africana, o governo deve dar prioridade a empresas de pequeno e médio porte dispostas a investir em setores de vanguarda.

A melhoria do ambiente empresarial requer uma mudança na realpolitik que norteia a politica africana desde a democratização. As últimas décadas mostraram que a aliança com regimes autoritários como a Angola de José Eduardo dos Santos pode revelar-se um péssimo negócio.

O governo brasileiro deve priorizar relações com países que respeitem protocolos internacionais. Ao contrário do que os estereótipos sugerem, é perfeitamente possível jogar dentro das regras e ser bem-sucedido na África. E quando os inevitáveis escândalos surgirem, eles não podem ser instrumentalizados para criminalizar todo um projeto.

A França investiga um dos seus principais magnatas, Vincent Bolloré, por causa de trapaças nos portos de Camarões. Uma propina de US$ 1 bilhão  (R$3,92 bihões) na Nigéria levou a ENI aos tribunais na Itália. O governo chinês deteve um dos seus principais intermediários africanos, Sam Pa.

Em vez de abandonarem o continente por causa desses malogros, esses países dobraram a aposta. O Brasil pós-Lava Jato deve fazer o mesmo, antes que seja tarde demais.

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