Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Ectoplasmas da frente

Gestos nobres de Sanders, Jospin e Blair poderiam inspirar líderes brasileiros

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Hillary, de terninho rosa, está à direita, enquanto Sanders aparece à direita de paletó preto e camisa azul. Os dois levantam as mãos.
O senador democrata Bernie Sanders abraça a ex-secretária de Estado Hillary Clinton em campanha da eleição presidencial americana de 2016 - Andrew Harnik - 3.nov.16/Associated Press

Não faltavam motivos para o senador Bernie Sanders admoestar a ex-secretária de Estado Hillary Clinton logo após as prévias do Partido Democrata em 2016. A máquina de Clinton sabotou a sua campanha, acusando-o de radicalismo e manipulando a comissão eleitoral do partido contra ele.

Porém, Sanders ignorou as trapaças e declarou apoio incondicional a Hillary na disputa contra o republicano Donald Trump. Dois anos depois, ainda é possível ver millennials ostentando em camisetas ou adesivos o slogan "Bernie would have won" (Bernie teria vencido). Ele se tornou uma espécie de oráculo da esquerda global e, do alto dos seus 77 anos, continua sendo citado como possível presidenciável.

Ciro Gomes tem tantos ou mais motivos para reclamar do PT. Porém, ele preferiu escapulir para a Europa em vez de participar da campanha do segundo turno, largando para trás o seu jovem e entusiasmado eleitorado. 

O ex-governador cearense não é o único a apequenar-se diante do desafio. Depois da derrota surpresa para Jean-Marie Le Pen em 2001, o líder socialista francês Lionel Jospin renunciou ao cargo de presidente da legenda na noite do primeiro turno. 

Numa coletiva memorável, ele alegou, sob os gritos dos militantes em lágrimas, a necessidade de retirar-se para deixar os militantes organizarem a frente ampla em liberdade.

Para tanto, ele designou como sucessor interino o futuro presidente François Hollande, habilidoso operador político, próximo da ala centrista do partido. 

A senadora Gleisi Hoffmann, responsável pela nota de apoio à constituinte de Nicolás Maduro na Venezuela de 2017 —um erro grotesco, denunciado pelos seus pares na altura, e agressivamente explorado pelos seus rivais nas últimas semanas— continua, por mais incrível que pareça, firme no comando do PT.

Abominado pelos trabalhistas e pela sociedade britânica na sua generalidade por ter jogado o país na guerra do Iraque, Tony Blair, premiê entre 1997 e 2007, saiu agora do ostracismo para comandar a quixotesca batalha por um segundo referendo sobre a saída da União Europeia. 

Tanto Blair como Fernando Henrique Cardoso, seu homólogo nos anos 1990, foram reivindicados pela história. 

Os desdobramentos em curso no Reino Unido e no Brasil podem ser explicados pela rejeição da terceira via advogada por eles. Por essa razão, ambos tinham a legitimidade moral e intelectual para mostrar o caminho aos centristas desiludidos com a deriva dos seus respectivos partidos. 

Apenas Blair optou por sair do conforto da vitória.

Tony Blair, Bernie Sanders e Lionel Jospin poderiam ter invocado as velhas inimizades, a idade avançada, ou simplesmente a tremenda impopularidade para abandonarem os seus pares da social-democracia. 

Preferiram colocar-se à disposição da frente ampla, ao risco de sofrerem mais uma derrota. 

Enquanto isso, os eleitores brasileiros que pretendiam posicionar-se no segundo turno, mas precisavam de um sinal claro da classe politica, parecem condenados a ler entre as linhas de entrevistas e especular sobre agendas de viagem. Cada democracia tem os líderes que merece.

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