Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Verdun é aqui

Raramente um governo brasileiro esteve tão alinhado com as dinâmicas em curso no mundo ocidental

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Homem aparece de costas com uma camiseta com o número 17, sendo que o 1 é substituído pelo desenho de um fuzil. Ele segura para o lado direito uma bandeira do Brasil.
Seguidor do presidente eleito, Jair Bolsonaro, carrega uma bandeira do Brasil no canteiro da avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio - Leo Correa - 29.out.18/Associated Press

Depois de uma semana dedicada ao que ele chamou de "itinerância memorial", o presidente Emmanuel Macron terminou a comemoração dos cem anos do armistício de 11 de novembro no Arco do Triunfo parisienses em companhia de 60 chefes de Estado.

Recordado pela humilhação infligida aos derrotados alemães, o término da guerra ampliou as divisões nacionalistas que minaram a Europa. 

Movido pela ambição de reescrever a historia, Macron tentou transformá-lo em um momento de reconciliação. No sábado, Angela Merkel tornou-se a primeira chefe de governo da Alemanha a visitar Compiègne, a cidade onde foi assinado o armistício.

A teatral cerimonia acabou diminuída pela polemica sobre a homenagem discreta, porém altamente simbólica, do presidente francês ao marechal Philippe Pétain (1856-1951). 

Marechal visionário na guerra de 1914-18, Pétain acabou sendo condenado por traição em 1946, acusado de colaborar com os nazistas, dirigindo o governo de Vichy, vassalo de Adolf Hitler. 

Ao qualificar Pétain de "grande soldado" pelo seu papel na vitória sobre as tropas alemãs em Verdun, em 1917, Macron acenava aos eleitores ultranacionalistas, que têm no marechal colaboracionista uma das suas referências. 

Ultrapassado pelo partido de Marine Le Pen nas sondagens para as eleições ao Parlamento Europeu em maio do ano que vem, Macron tenta se apropriar de seus ícones para contemplar eleitores cada vez mais identificados com o discurso dos líderes populistas direitistas. 

Duramente criticado pela imprensa local, o duplo discurso de Macron —por um lado, ele denuncia a "lepra nacionalista" que ameaça a Europa e, por outro, prestigia um herói dos ultranacionalistas— é revelador das dificuldades do presidente centrista diante do revisionismo histórico praticado por seus aliados. 

O americano Donald Trump multiplica as bravatas contra a Otan, esteio da cooperação militar no Atlântico Norte. Enquanto a sociedade britânica prepara-se para uma ruptura caótica dos seus laços com a União Europeia, a Itália assume a liderança dos países que pretendem sabotar por dentro as suas instituições. 

O nacionalismo exacerbado que caracteriza a politica europeia tem na Primeira Guerra um dos seus episódios fundadores. Mais de 2,3 milhões de soldados franceses e alemães se emaranharam na lama, nos vermes e no terror de Verdun, a mais marcante e longa batalha travada durante o conflito. 

Cerca de 300 mil pereceram. Os periclitantes regimes surgidos dos escombros da guerra foram gradualmente subvertidos por lideranças autoritárias. Cem anos depois do conflito, a União Europeia emerge como último bastião da ordem liberal instituída depois das duas grandes guerras.

O jogo de ambiguidades do presidente eleito Jair Bolsonaro, que reafirma os direitos inscritos na Constituição e reabilita o passado da ditadura militar, tem semelhanças notáveis com aquele ensaiado pelos atuais governantes europeus. 

Raramente um governo brasileiro esteve tão alinhado com as dinâmicas em curso no mundo ocidental. Hoje, mais do que nunca, os efeitos do ultranacionalismo gerados pela Primeira Guerra Mundial são sentidos por aqui.

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