Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

Diplomacia a quatro mãos

País pode ter na política externa rótulo pró-EUA e na comercial viés pró-Ásia

Paulo Guedes, futuro ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro
Paulo Guedes, futuro ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira - 14.nov.2018/Folhapress

Celebrada efusivamente no final da semana passada, a manutenção da Apex, responsável pela animação de eventos comerciais, pode revelar-se uma vitória de Pirro para a nova equipe do Itamaraty. 

Na contenda pelas áreas de competência com o Ministério da Fazenda —que passará a ser Economia—, o que importa é a ascendência sobre as negociações de acordos multilaterais e sobretudo bilaterais, peça central da estratégia de abertura do futuro governo. 

A prerrogativa do Itamaraty remonta ao século 19, quando os diplomatas assumiram, desde a Independência, a negociação da dívida externa e dos tratados comerciais. 

Entre as principais economias do mundo, o Brasil é uma das raras onde a chancelaria continua tendo tanto poder sobre o comércio exterior. Governos tentaram reverter essa situação no passado, mas sem grande sucesso. 

Com a fusão da Fazenda, do Planejamento e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços em Economia, o ministério de Paulo Guedes garantiu um poder considerável em temas sensíveis como Orçamento, contribuições a organismos internacionais e internalização de atos internacionais. 

A transferência das negociações de acordos comerciais para a Secretaria de Comércio Exterior é vista como uma consequência natural desse processo. 

Colunista deste jornal com currículo para servir em qualquer governo, Marcos Troyjo, o indicado para chefiar a secretaria, compartilha do ceticismo de uma ala acadêmica sobre a capacidade dos diplomatas tradicionais de responder ao desafio da inserção internacional. 

No entanto, se realmente avançar sobre as competências do Itamaraty, o Ministério da Economia se deparará com obstáculos legais e técnicos. 

As leis que regulamentam o serviço de funcionários federais no exterior terão de ser alteradas, e a equipe de Guedes dificilmente será bem-sucedida sem a memória institucional e a excelência técnica dos diplomatas. 

No mais, a escolha para secretário-geral de Otávio Brandelli, conhecido por sua capacidade de operar a Esplanada, leva a crer que o Itamaraty não entregará os pontos facilmente. 

A negociação de novos tratados não é necessariamente mais urgente do que a resolução de problemas no transporte e na infraestrutura para o comércio exterior. Mas a dimensão política é muito maior. 

Guedes e a sua equipe poderiam costurar o seu próprio projeto internacional sem depender da boa vontade do Itamaraty. Troyjo, por exemplo, argumentou em julho passado neste jornal que o Brasil deveria formar uma área de livre-comércio com os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). 

Uma iniciativa revolucionária que seria provavelmente vista como um anátema pela equipe do novo chanceler, defensor de um alinhamento rigoroso com os Estados Unidos, inclusive na área comercial. 

No limite, se o presidente eleito arbitrar a favor de Guedes, poderíamos ver a emergência de uma política externa com rótulo pró-americano, levada pelo Itamaraty, e uma política comercial com viés pró-asiático, conduzida pela Economia.

Uma diplomacia a quatro mãos, possivelmente inédita na história brasileira. 

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.