Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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A Prometida e a Promessa

Uma nova ordem surgiu da enorme transformação da sociedade israelense

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A "Terra Prometida" à qual se referia Binyamin Netanyahu durante a sua passagem pelo Brasil não é uma imagem religiosa, mas uma referência à nova ordem surgida da enorme transformação da sociedade israelense na última geração.

Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, participa de reunião de seu gabinete, em Jerusalém
Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, participa de reunião de seu gabinete, em Jerusalém - Gali Tibbon/Reuters

A sociedade secular, unitária e igualitária idealizada pelos fundadores de Israel no pós-guerra e balizada pelos trabalhos de Theodor Herzl (1860-1904), o primeiro pensador judeu a vislumbrar um arquétipo do Estado Ocidental no Oriente Médio, deu lugar a uma sociedade estilhaçada em diferentes grupos que tentam impor a sua ideia de Estado: os cada vez mais numerosos judeus ultraortodoxos (haredi), proponentes de um Estado subordinado às leis do Hanaka, os nacionalistas-religiosos, defensores da preponderância dos valores judeus, os árabes-palestinos, que buscam a igualdade de direitos e, por fim, o declinante grupo de seculares, zelosos da separação entre o Estado e a religião. 

Essa metamorfose está intrinsecamente ligada ao declínio da visão otimista sobre o futuro desde o fracasso do processo de paz nos anos 1990. Os israelenses permanecem identificados ao caráter democrático do Estado, às eleições maioritárias e aos direitos fundamentais como a liberdade de expressão. Porém, eles deixaram de defender a igualdade e o direito das minorias de forma uníssona. A permanente e incontestável democracia israelense passou a ter definições múltiplas. 

Netanyahu veio ao Brasil, que ele chamou de "Terra da Promessa", assistir à posse de um governo que pretende suscitar uma transformação semelhante àquela que ele capitaneou em Israel. Os fundadores da Nova República partilhavam uma ideia de nação baseada nos valores das sociedades ocidentais. A nova elite que os sucedeu na semana passada deixou clara a vontade de romper com esses valores, assumindo plenamente as contradições sociais, econômicas e territoriais. 

Se Netanyahu tem a meta simbólica de ultrapassar o líder do Sionismo Socialista e fundador do Partido Trabalhista Ben Gurion (1886-1973) como o mais longevo premiê de Israel, os novos ministros prometem reescrever o legado dos seus predecessores da Nova República. No Brasil, como em Israel, a ideia de Estado tem duas significações muito diferentes para os seus fundadores e os seus herdeiros. 

A nova ordem é uma maré forte que ainda não deixou tudo para trás. Deflagradas pelo próprio Netanyahu e agendadas para abril, as eleições podem revelar-se insuficientes para consolidar a nova ordem. 

A sua base na Knesset, a assembleia legislativa, parece cronicamente instável, e ele está na iminência de ser denunciado por corrupção pela Procuradoria. Num futuro próximo, o general Benny Gantz, uma emergente liderança progressista, tem potencial para unificar a oposição em torno do seu projeto contra a fragmentação e a radicalização.

A busca pela paz e pela harmonia é incessante na dinâmica e vibrante sociedade israelense. Na Terra Prometida e na Terra da Promessa, o presente pode estar sentenciado, mas o futuro continua indefinido.

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

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