Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro
Descrição de chapéu Venezuela

É preciso olhar sem maniqueísmo para a Venezuela

Argumento de que petrolíferas estão por trás de intervenção roça o ridículo

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Qualquer discussão séria sobre a Venezuela parte da premissa de que a situação de Nicolás Maduro é insustentável. Ele é responsável por decisões econômicas desastrosas, pela deriva autoritária e pela criminalização do Estado. Apresentá-lo como uma pobre vítima do imperialismo é insultar a memória do democrata chileno Salvador Allende, derrubado por um golpe arquitetado em Washington sem jamais ter perseguido opositores.

O argumento de que a indústria petrolífera está por trás da intervenção na Venezuela roça o ridículo. A história mostra que as multinacionais não atuam necessariamente em sintonia com a diplomacia dos seus países respectivos.

Durante a guerra civil em Angola, empresas norte-americanas exploravam o petróleo controlado pelo presidente marxista-leninista José Eduardo dos Santos, enquanto a Casa Branca prestava apoio militar aos rebeldes da Unita. Quando os rebeldes chegavam perto de Cabinda, o enclave rico em petróleo, os interesses gringos eram protegidos pelas tropas enviadas por Fidel Castro.

O regime venezuelano nunca rompeu os laços com as multinacionais americanas. Em finais de 2018, o petróleo vendido por Caracas representava cerca de 2,5% do consumo total dos Estados Unidos. Um novo mandato de Maduro não constituía uma ameaça para a pragmática indústria petrolífera.

Dito isso, o processo iniciado pela comunidade internacional na Venezuela deve ser submetido a um exame critico. A coerência está longe de ser o forte das relações internacionais, mas a decisão de declarar ilegítimo o mandato de Maduro revela como o conceito de soberania eleitoral é aplicado seletivamente. Na semana passada, enquanto dobrava a aposta na Venezuela, Washington reconheceu o mandato de Félix Tshisekedi na Republica Democrática do Congo, cuja eleição também foi escandalosamente fraudada.

Embora Juan Guaidó seja um líder eleito democraticamente por uma Assembleia Nacional legítima, a iniciativa de declará-lo presidente interino rompe com a convenção de apenas reconhecer governos que controlam o Estado. Na prática, a natureza da intervenção na Venezuela põe em causa um dos fundamentos do equilíbrio de forças internacional.

Ademais, diante do histórico arrepiante do assessor John Bolton, envolvido na invasão do Iraque, o mínimo a fazer é duvidar das motivações humanistas da administração de Donald Trump. O discurso pró-eleições livres serve apenas para dissimular o real objetivo de restaurar a hegemonia na região que os neoconservadores consideram o seu domínio privilegiado.

No caso da Venezuela, as opções têm consequências diferentes, mas todas são potencialmente trágicas. Por um lado, a não interferência leva ao aprofundamento de ditaduras, mas também preserva algumas normas que impedem o mundo de tornar-se incontrolável. Por outro, as intervenções para derrubar regimes despóticos, por mais justificadas que sejam, raramente provocam a instauração de democracias. Só nos resta torcer para que a Venezuela se torne uma notável exceção à regra.

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